segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

If you start me up, I'll never stop! Porque não se pode empurrar o clima ribanceira abaixo!

A letra da música dos Rolling Stones ao dizer "se você começar, eu nunca vou parar" obviamente se refere a uma briga, dessas que pode começar com uma provocação ou um desentendimento pequeno, mas se amplifica por conta das atitudes das partes envolvidas. Ou, para fazer um trocadilho com o nome da banda, é como se um empurrão não tão intenso pusesse uma enorme pedra em movimento, mas uma vez ela descendo ribanceira abaixo, não pudesse ser mais freada.

Ambas são boas comparações para o tema deste texto: as retroalimentações (ou feedbacks) no sistema climático terrestre. Como discuti num texto anterior, há forte indício de que a sensibilidade desse sistema é grande, isto é, que o efeito final especificamente do aumento de concentração de CO2 é maior do que aquele esperado apenas por conta da sua influência direta. Há, de fato,  diversos feedbacks climáticos capazes de amplificar determinadas mudanças, mesmo que inicialmente pequenas e, portanto, de responder pela sensibilidade climática. 



O primeiro que abordarei, bastante fácil de entender, é o chamado "feedback do gelo-albedo". Denomina-se albedo a fração de radiação solar que é refletida de volta para o espaço e, portanto, sem ser absorvida pela superfície terrestre, não contribui para aquecê-la. Superfícies claras, como a neve e o gelo possuem albedo elevado, enquanto superfícies escuras, como florestas e oceanos possuem baixo albedo.  A diferença entre o gelo e o oceano é particularmente grande, pois o gelo reflete tipicamente 60% da luz que incide sobre ele (absorve, portanto, apenas 40%), enquanto o oceano reflete somente da ordem de 6% da radiação, retendo, portanto os outros 94%. Isso fica evidenciado na figura acima, que mostra o contraste entre o gelo marinho e as águas escuras do oceano. Uma boa analogia para se perceber o efeito desse contraste é um par de pessoas, expostas ao sol, uma com roupa clara, a outra com roupa escura. A segunda obviamente sentirá bem mais calor, pois sua roupa absorverá bem mais radiação solar. Onde entra a retroalimentação neste caso? Simples: num planeta mais quente, a tendência é a de redução, por derretimento, das geleiras e calotas polares (algo que já se observa principalmente no que diz respeito ao gelo sobre o Oceano Ártico). Esse processo expõe superfícies mais escuras (rocha, solo nu e, principalmente, oceano). O albedo do planeta diminui e aumenta a absorção de luz solar, tendo como consequência mais aquecimento. Em suma: quanto menos gelo, mais  radiação solar será absorvida pelo planeta. Quanto mais radiação for absorvida, mais quente o planeta fica e mais gelo será derretido.

O segundo processo tem relação com algo que abordei no texto sobre eventos extremos, que é a relação entre temperatura e quantidade de vapor d'água na atmosfera. O gráfico ao lado ilustra a quantidade de água que pode permanecer em estado de vapor (na verdade, a pressão que esse vapor exerce) em função da temperatura. Perceba que quanto maior a temperatura, mais vapor d'água pode permanecer na atmosfera sem haver condensação, isto é, passagem para o estado líquido. Isso implica que, com o aquecimento global, a atmosfera terrestre tende a conter mais vapor, o que é um fato já constatado (estimativa de um aumento da ordem de 4% desde a década de 1970 até hoje, segundo o 4° relatório do IPCC). Acontece que o vapor d'água é um poderoso gás de efeito estufa, como citamos anteriormente em "Não dá para Tapar o Sol... Digo, os Gases de Efeito Estufa, com uma Peneira!". Isso implica que mais vapor d'água na atmosfera terrestre tende a produzir aquecimento. Daí, fica claro o mecanismo do chamado "feedback do vapor d'água": temperaturas maiores levam a mais vapor na atmosfera; mais vapor, leva a maiores temperaturas.
Permafrost. Foto: Rick Nowmer

Outro feedback importante está associado ao solo permanentemente congelado, ou permafrost, mostrado na figura ao lado. Sobre ele, tipicamente se encontra uma camada denominada "camada ativa", que congela e derrete conforme a estação do ano. O permafrost fica abaixo, e trata-se de uma camada de solo no qual a água está permanentemente congelada. Com o aquecimento global, em diversas regiões do mundo a camada ativa avançou sobre o permafrost. Isto faz com que a matéria orgânica contida no permafrost possa entrar em decomposição, liberando metano (CH4) e CO2. Como estes são gases de efeito estufa, contribuem para acelerar o aquecimento global.

Outros mecanismos de retroalimentação não tão bem quantificados envolvem o ciclo do carbono nos oceanos, a biota terrestre e os aerossóis, havendo indícios de que eles também podem contribuir para um aquecimento mais acelerado do que o que se esperaria em função da influência direta do CO2 emitido através da queima de combustíveis fósseis. Como diz Wallace Broecker, da Universidade de Columbia, "o clima é uma fera temperamental e nós estamos a cutucá-la com uma vara afiada". Já temos indicações no sentido de que o bicho está apenas começando a mostrar a sua ferocidade diante de nossas provocações irresponsáveis. Pedras que rolam ribanceira abaixo, feras irascíveis e climas com retroalimentações complexas e não-lineares não são o tipo de coisa com a qual se deva brincar.

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