quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A Armadilha dos Royalties: Educação não Precisa ser Manchada de Óleo

Com o objetivo de tentar desfazer alguns mitos, volto ao ponto dos royalties do petróleo, após a decisão do governo Dilma em não mudar as regras para o petróleo que já vem sendo explorado mas, ao mesmo tempo, aprovar uma medida extremamente populista, a de "100% dos royalties do pré-sal para a educação".

É uma pena que a ingenuidade da população e a incapacidade (por ignorarem o tema ou por covardia em incidir sobre questões polêmicas) por parte de segmentos que poderiam ajudar a esclarecer a questão, como a comunidade acadêmica e a militância social (incluindo a esquerda politicamente organizada) permitam que esse caldo de cultura de simpatia ao petróleo se instale.

A primeira coisa que precisa ser esclarecida é que, graças à política privatizante de FHC, o petróleo já não é "nosso". Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, rompe com o monopólio de exploração do petróleo e permite que empresas multinacionais (através de um braço com sede no Brasil ou de um consórcio envolvendo empresas brasileiras) extraiam petróleo do território brasileiro, incluindo sua plataforma continental. Vale dizer que 11 das 12 maiores companhias do mundo são ligadas aos combustíveis fósseis (incluindo setor energético e automobilístico), mas com destaque claro para as gigantes do petróleo: Shell e Exxon (as duas líderes), BP, Sinopec, China National Petroleum, Chevron e Conoco.

A segunda coisa é o que são royalties e que fração das divisas eles representam. Eles são  teoricamente uma "compensação", por lei, 15%. Isto por si só deixa claro que apenas uma parte minoritária dos recursos fica com o poder público (independente da finalidade última). A grande maioria dos recursos do petróleo serve unicamente para assegurar os super-lucros das maiores corporações capitalistas do planeta!

Como bem mostra o site da Auditoria Cidadã da Dívida, os 78% dos royalties (que já são 15% da receita do petróleo) que vão para estados e municípios não estão vinculados à Educação. Com isso, nas mãos da União já sobram apenas 3,3% do valor original das divisas. Indo para o Fundo Social, apenas metade teria endereço certo para a educação, isto é, na verdade, tem-se meros 1,65%... Em suma, é possível mostrar em detalhes (por isso recomendo o texto acima) que é absolutamente falsa a idéia de que a exploração do petróleo pode alavancar a elevação da cota do PIB para a Educação de 5% para 10%.

Mas existe outra contabilidade que precisa ser considerada. Imediatamente. É o orçamento do carbono, que já está inteiramente no vermelho. O dióxido de carbono resultante da queima de combustíveis fósseis já se acumulou ao ponto de resultar num aumento de 40% em relação à era pré-industrial. O aumento da concentração desse gás (e de outros gases de efeito estufa resultantes de atividades humanas) corresponde a uma perturbação no sistema climático várias vezes maior do que aquela associada a ciclos e processos naturais, incluindo as oscilações solares (como detalhei aqui e aqui). 

É necessário, é crucial, é de máximo interesse para o gênero humano, particularmente para as futuras gerações, para as classes trabalhadoras, para as etnias tradicionais, para os mais pobres e mais vulneráveis, que não se ultrapasse o limiar de 2°C de aquecimento global. Isto só será possível se limitarmos as emissões de gases de efeito estufa, principalmente com redução drástica do consumo de combustíveis fósseis, que são a principal fonte de energia para produção de eletricidade e transporte. 

É grande a probabilidade de que esse limiar seja ultrapassado se rompermos a barreira das 450 partes por milhão de CO2 equivalente na atmosfera terrestre. Considerando-se que o oceano continue a sequestrar uma fração próxima a 40% do que é emitido, essa concentração será atingida se queimarmos mais 565 bilhões de toneladas de carbono fóssil. Com o ritmo atual das emissões, duas décadas são suficientes para se chegar a esse ponto extremamente perigoso.

É preciso, portanto, evitar que queimemos 565 Gigatoneladas de carbono fóssil. O problema é que a ganância da plutocracia composta pela indústria petroquímica, automobilística, de mineração, pelo setor financeiro e pelos governos por eles sustentados, enxergam outro número: 2795 Gigatoneladas. É a quantidade de carbono contida nas reservas já conhecidas de petróleo, carvão e gás natural e pode ser que esse número esteja subestimado.

A conclusão assusta. Existe um estoque de combustíveis fósseis pelo menos próximo a 5 vezes o que nos é permitido queimar, sem que coloquemos o sistema climático terrestre numa condição extremamente perigosa de desestabilização de ecossistemas e disparo de mecanismos de retroalimentação. A responsabilidade se impõe. Somente um quinto dessas reservas pode ser utilizado como combustível. 80% delas têm de permanecer intactos, pelo bem das futuras gerações. Na verdade, pelo ritmo acelerado das mudanças, pelo nosso próprio bem, na velhice.

Qualquer pessoa racional entende, hoje, que é necessário manter a maior parte das florestas como estão, sem derrubá-las para usar a madeira ou para estabelecer plantio de soja ou cana ou para substituí-las por pasto para o gado. O mesmo raciocínio precisa ser aplicado imediatamente aos combustíveis fósseis.

Daí, voltamos ao Brasil. É necessário aumentar os recursos da Educação em nosso País? Sem dúvida! Sou professor universitário e cientista e, para mim, 10% ainda são insuficientes

Mas, em primeiro lugar, mostramos que os recursos do petróleo em sua maioria não serão utilizados para a educação e, na verdade, se concentrarão nas mãos das maiores corporações mundiais, aquelas que manipulam, como se estas fossem marionetes, os estados nacionais e as gigantescas máquinas de guerra que impõem um verdadeiro terror de Estado (ou de Estados... Unidos...) sobre o Oriente Médio. 

Em segundo lugar, mostramos que mesmo que todo o petróleo fosse explorado mediante monopólio estatal, que a Petrobrás fosse inteiramente pública; ainda que houvesse tecnologias 100% seguras para extração de óleo nos oceanos e que não houvesse chance alguma de vazamentos e desastres de grandes proporções e que todo o lucro fosse utilizado para financiar a Educação, ainda assim teríamos a obrigação racional de rejeitar essa alternativa. Ninguém em sã consciência defenderia que o Brasil entrasse em guerra contra seus vizinhos e os saqueasse para utilizar o dinheiro em nossos hospitais. Ninguém seria capaz de propor que admitíssemos a escravidão e o trabalho infantil, ainda que todo o "recurso a mais" gerado fosse utilizado para saneamento básico. Ninguém (ou melhor, talvez, no íntimo, Katia Abreu, Ronaldo Caiado e alguns ruralistas aloprados) defende a devastação da Amazônia para financiar um "objetivo nobre" qualquer quer que seja... Ninguém, sabendo da necessidade de manter uma de cada cinco toneladas de reservas fósseis intactas, pode ser capaz de justificar o aumento percentual ridículo, calculado pela Auditoria Cidadã da Dívida, de 0,6% do PIB no investimento na Educação Brasileira, dando carta branca ao Brasil de entrar com sua cota para o caos climático! O pré-sal brasileiro, especificamente, deve permanecer inexplorado e entrar, isto sim, nas contas dos acordos climáticos. Se o Brasil mostrar que está seriamente disposto, apostando na eficiência energética e em energias renováveis, a manter 80% de suas reservas fósseis intactas (o que inclui o pré-sal)  e zerar o desmatamento poderá assumir uma posição de força extremamente importante nas negociações de acordos globais sobre o clima!

E a educação? O problema, como já coloquei noutro texto e como bem expõe a Auditoria Cidadã da Dívidaé que não se toca na questão fundamental hoje que é para onde está indo a riqueza produzida em nosso País. Quase metade (47%) do orçamento da União é asfixiado, destinando-se a banqueiros e especuladores. Uma auditoria, mesmo que superficial dessa dívida, provavelmente levará à conclusão de que uma parcela significativa dela é ilegítima, mas mesmo que se mostrasse que somente um em cada sete reais dela não deveria ser pago, teríamos, daí, o recurso suficiente para elevar para 10% o investimento nacional em Educação de 3,2% para 9,9%!

Decorre que tanto o ato promovido pelo Governo Cabral, no Rio de Janeiro, quanto o oba-oba em torno dos "100% dos royalties para a Educação" não passam de cortinas de fumaça! Fumaça da queima de combustíveis fósseis, polêmica inteiramente falsa! Chega a ser perverso, pois cria um "clima" de possível divergência e até animosidade entre os movimentos sociais em defesa da Educação e o movimento ambientalista e a luta contra o aquecimento global. Enquanto isso, aqueles que realmente deveriam pagar a conta, tanto da proteção ao sistema climático, quanto do direito ao acesso universal a uma Educação pública, gratuita e de qualidade (os bancos e a indústria petroquímica), seguem lucrando bilhões.





Um comentário:

  1. sabe dizer qual o artigo da Lei 9.478/97 tem a informacao de que o petróleo já não é mais nosso? (Apesar de saber, pela própria televisão, de exploracões da Chevron em território nacional).

    De fato, essa politica de 100% dos royalties para a educacao cria um conflito entre os defensores de direitos humanos, onde a educacao e a prioridade, e os ambientalistas, onde nao deixam de forma alguma que a tragedia climatica seja esquecida. Mas, lendo o artigo, fica clara a manipulacao, a mascara. Enquanto brigamos por algo que provavelmente nem ocorre (que todos os royalties representem 10% do PIB para a educacao), o coliseu das multinacionais jogam o pão pra gente, para que nao vejamos o circo pegar fogo (e detalhe, a lenha pertence a eles).

    Aproveito e pergunto: se hoje o governo fizesse um investimento e uma politica para que cheguem as ruas carros bem populares, em pe de igualdade dos que temos hoje, mas hibridos? Ou seja, usa-se a energia nos casos onde gasta-se mais gasolina (partida, engarrafamentos) e deixa-se a gasolina para onde gasta-se menos, economizando bastante combustivel e poluindo menos, ao passo em que os consumidores economizam bem mais, a demanda diminui, e os postos de gasolina diminuem o preco? Abracos e mais uma vez parabens pelo artigo. Deve ter dado um grande trabalho, pois esta muto bem fundamentado.

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