sábado, 22 de dezembro de 2012

Números II - Logaritmos e Regras de Três


Evidentemente, para representarmos corretamente os processos físicos e as interações biogeoquímicas no interior do sistema climático, são necessários modelos sofisticados das componentes desses sistemas. Os chamados "Modelos do Sistema Terrestre" de hoje em dia são gigantescos programas de computador com muitos milhares e até milhões de linhas que incluem tipicamente um modelo de circulação geral da atmosfera, um modelo oceânico global, modelos de gelo marinho e continental e um modelo de superfície com solo, vegetação e hidrologia continental dinâmicos, além de módulos de química, ciclo do carbono, etc. 

Isso pode fazer com que a Ciência do Clima pareça obscura para a grande maioria das pessoas. Mas para se obter uma estimativa de alguns números, cruciais para que se estabeleçam metas de estabilização das concentrações de gases de efeito estufa, podemos usar representações mais simples, que permitem que boa parte das pessoas nos compreenda. Vamos tentar fazer isto neste texto.


Basta, para começarmos, uma curva logarítmica simples, obtida a partir do conceito de "Sensibilidade Climática de Equilíbrio". Como já discutimos num texto anterior, esse parâmetro corresponde à mudança na temperatura global esperado se duplicarmos o CO2 atmosférico e a melhor estimativa dessa "sensibilidade" é de 3°C.

A conta é bastante simples e pode ser feita em qualquer calculadora de bolsa que tenha a função "log" ou log10 (o logaritmo na base 10). A variação da temperatura global até um novo estado de equilíbrio, em relação à era pré-industrial (t) e a concentração de "CO2 equivalente" (C) se relacionam simplesmente assim: t = (10°C)•log10(C/280). O "CO2 equivalente" é um artifício através do qual simplificamos o nosso problema, "trocando" as concentrações de metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e halocarbonetos por um aumento no CO2 que produza o mesmo aquecimento associado a esses gases (que também exercem efeito estufa) e as concentrações de aerossóis (partículas em suspensão na atmosfera) por uma diminuição do CO2 que produza o mesmo resfriamento (já que os aerossóis espalham a luz solar, reduzindo a quantidade de energia que chega à superfície terrestre). Como hoje em dia os efeitos contrários dos aerossóis de um lado e de CH4-N2O-halocarbonetos do outro praticamente se cancelam, o "CO2 equivalente" possui valores próximos aos da própria concentração de CO2.

Se substituirmos C = 280 ppm, a equaçãozinha nos fornece t = 0. Para C = 560 ppm, temos t = 3°C, que é a sensibilidade climática de equilíbrio. É evidente que essa concentração de CO2 é desastrosa, pois nos levaria a um mundo mais de dois graus mais quente do que é hoje, considerando que já estamos numa temperatura global 0,8°C acima do período pré-industrial. Fica claro, com essa continha, que sequer devemos ultrapassar os 450 ppm de CO2 equivalente, pois com essa concentração, ultrapassaremos dois graus de aquecimento acima da era industrial. 

É fácil perceber também que os 0,8°C de aquecimento global já verificados não são condizentes com um estado de equilíbrio com as atuais concentrações de CO2. Substituindo C = 392 ppm, obtemos um pouco menos do que 1,5°C, ou seja, mesmo que conseguíssemos manter constante o CO2 equivalente, ainda teríamos um aquecimento residual, que viria num ritmo mais lento de quase 0,7°C. Na verdade, se quiséssemos manter o clima como está hoje, com seus 0,8°C acima dos valores ao final do século XVIII, deveríamos retornar a concentração de CO2 equivalente ao valor de 337 ppm (ultrapassado em meados da década de 1980). O valor de 350 ppm é o limite para um estado de equilíbrio um grau acima da era pré-industrial. Todos esses números são indicativos de que devemos reduzir rapidamente as emissões. O ideal seria não só estabilizarmos as concentrações de gases de efeito estufa, principalmente CO2, nos níveis atuais ou, pelo menos, em níveis de CO2 equivalente abaixo de 450 ppm. Melhor seria que reduzíssemos essas concentrações, senão para 337, para 350 ppm.


O que nos assusta, na verdade, é que não demos qualquer passo nessa direção. Já se passou a COP18 (isto é, a 18ª cúpula do clima) e permanecemos seguindo os piores cenários, isto é, o "business as usual". A figura ao lado compara, segundo estimativas da International Energy Agency, as emissões reais (linha preta) com os cenários usados anteriormente pelo IPCC, deixando claro que estamos seguindo os piores entre eles. No ritmo deles, pode-se chegar ao final do século XXI com uma concentração de CO2 equivalente muito acima dos níveis atuais. 700 ppm representaria um valor igual a duas vezes e meia o valor pré-industrial, o que, segundo nossa formulinha, nos levaria a um planeta 4°C mais quente. Dentre os novos cenários do IPCC, um deles  é absolutamente sombrio (para os curiosos, o RCP 8.5). Sem restrições ao uso dos combustíveis fósseis, chegaríamos ao ano de 2092 com 863 ppm de CO2 na atmosfera, mas com um CO2 equivalente acima de 1120 ppm, o valor que corresponde a um aquecimento de 6°C.


E o que nos apavora é que os combustíveis fósseis são, na verdade, muito abundantes. A ponto de extrapolarem, em muito, todos os limites razoáveis, podendo levar-nos a um planeta tão diferente do que conhecemos que nossa equaçãozinha deixa até de ser confiável. 
Estimativa de reservas convencionais e não-convencionais
de combustíveis fósseis (original em
http://www.columbia.edu/~jeh1/2008/TargetCO2_20080407.pdf)

Algumas continhas a mais podem ser feitas, ainda mais simples do que um logaritmo. São regras de três e cálculos de porcentagem. Cada 2,12 bilhões de toneladas de carbono fóssil (GtC) lançada na atmosfera produzem 1 ppm de CO2 atmosférico. Um barril de petróleo, por exemplo, contém em média 123 kg de carbono. Neste caso, a estimativa conservadora de petróleo somente no pré-sal brasileiro, de 70 a 100 bilhões de barris nos forneceria cerca de 4 a 6 ppm a mais na atmosfera. Usando ∆C = ∆F/2,12 (onde ∆C é a variação na concentração do CO2 e ∆F é a quantidade de carbono fóssil queimado em GtC), teríamos o potencial de elevar em mais de 6000 ppm a concentração desse gás na atmosfera. Mesmo mantida a atual capacidade de sequestro de CO2 pelos oceanos e pela biosfera dos continentes, é quase certo que a queima de todas as reservas fósseis nos levaria a ultrapassar 2800 ppm, levando-nos a uma média de temperatura global 10 graus acima do período pré-industrial, comparável à que conduziu à extinção em massa na transição entre o Permiano e o Triássico.

Modelos do ciclo do carbono (como descrito nesta seção do AR4 do IPCC) sugerem que 50% desse gás é removido após 30 anos, que outros 30% levam séculos para deixarem a atmosfera e que os restantes 20% permanecem por muitos milhares de anos. Podemos, por simplicidade, assumir que cerca de 40% do CO2 que emitimos permanece por uma escala de muitas décadas a um século (um tratamento mais rigoroso para o decaimento de um pulso de emissão de CO2 é apresentado na nota de rodapé desta tabela). Quanto podemos queimar, portanto, de carbono fóssil, portanto? Se não quisermos ir além dos 450 ppm, só podemos acumular mais 58 ppm desse gás. Se assumirmos que queimando 307 GtC, 123 GtC (ou 40%) permaneceriam na atmosfera enquanto o restante seria sequestrado, esse seria o máximo que se pode queimar. E isso não pode ser feito imediatamente, mas distribuído ao longo deste século. Hoje em dia, são queimados 9,1 bilhões de toneladas de carbono fóssil por ano, então sem nenhum aumento a mais no ritmo de emissões, esse total seria ultrapassado em pouco mais de três décadas. Um freio precisa ser aplicado, urgentemente.

Mesmo que abandonássemos totalmente o uso do carvão fóssil e usássemos apenas as reservas convencionais de petróleo e gás (sem apelar para a extração do óleo em areias betuminosas, por exemplo) isso já garantiria emissões estimadas que acumulariam mais de 200 ppm na atmosfera, levando-nos não só a ultrapassar com sobra o limite de 450 ppm, mas também o de 560 ppm anteriormente descritos. O limitante, portanto, para o uso dos combustíveis fósseis não pode ser, portanto, o tamanho das jazidas. O limitante precisa ser o bom senso, o entendimento de que benefícios de curto prazo para um punhado de companhias não pode se sobrepor ao interesse de mais longo prazo do gênero humano e de grande parte da biota terrestre. Podemos optar por extinguir os combustíveis fósseis... ou por levar o sistema climático global a condições em que um número muito grande de espécies vivas será extinta e em que mesmo o futuro da nossa poderá ficar seriamente comprometido.

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