Surpreendido pelo número aparentemente alto de meteorologistas de formação, no Brasil, que assumem posições de negação da mudança climática (seja negando o aquecimento global, seja negando o papel antrópico nele), tive a atenção chamada por Michael Mann, através de seu twitter, que fenômeno parecido acontecia nos EUA. A negação das mudanças climáticas e de sua causalidade antrópica é, na verdade, comum em meteorologistas que apresentavam previsões na mídia por lá, graças a uma combinação de fatores, que iam da ausência de disciplinas nos cursos de graduação que cobrissem a dinâmica do clima, paleoclimatologia, mecanismos de feedback, etc., até a opção, pura e simples, de preferir emitir posições pessoais (evidentemente "contaminadas" pelas preferências ideológicas) do que aceitar as evidências verificadas e publicadas amplamente na literatura científica especializada, como abordado neste texto (em inglês), passando pelo desconhecimento de fundamentos de modelagem climática global. Esse fenômeno se repete no Brasil e checando a grade curricular dos cursos de Meteorologia em nosso País, constato precisamente que a formação deixa a desejar em aspectos essenciais.
Como é estranho que anti-ciência continue a reverberar numa questão em que geralmente os meteorologistas são chamados, pelo público e pela mídia, a emitir seu ponto de vista, supondo-se que os mesmos sejam os melhores especialistas possíveis para tal tarefa, espero que, em nosso País, a SBMET (Sociedade Brasileira de Meteorologia) siga o exemplo da AMS (Sociedade Meteorológica Americana). Esta lançou um editorial na "Station Scientist", assinado por um ex-presidente e pelo comissário de assuntos profissionais, que, com a devida polidez, aplica um "pito" nos meteorologistas que atropelam a ciência e, ao não se informarem e se atualizarem na Ciência do Clima, contribuem, conscientemente ou não, para confundir a opinião pública em uma questão tão essencial. O original em inglês está acessível neste link, mas fiz questão de apresentar a tradução para o Portugês a seguir:
Comunicando a Mudança Climática Global ao Público e Usuários
Bob Ryan (Ex-Presidente da AMS – Sociedade Meteorológica
Americana) e John Toohey-Morales (Comissário de Assuntos Profissionais da AMS)
“O Clima é o que você espera, o Tempo é o que você obtém.
" Esta citação usada frequentemente assume um novo significado nestes
dias, porque o que "espera" do futuro tornou-se um "debate"
acalorado, muitas vezes polarizada, e cada vez menos científico. Um número
crescente de meteorologistas de mídia, a quem o público procura por informações
e orientação sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global não estão
oferecendo informação científica, mas sim, muitas vezes, opiniões individuais
não-científicas nos meios de comunicação, incluindo blogs pessoais. Alarmantemente,
muitos weathercasters e
meteorologistas de mídia certificados descartam, na maioria dos casos sem
quaisquer argumentos científicos sólidos, as conclusões do Conselho Nacional de
Pesquisa (NRC), do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC),
e outras pesquisas publicadas com revisão. Por exemplo, uma recente afirmação
pública foi: "Eu não sei de um único meteorologista de TV que compre a
campanha publicitária do aquecimento global causado pelo homem" [1]
Tal atitude existindo ao mesmo tempo em que se consultam os muitos
websites de mudança climática [2] pode
deixar muitos de nós, que querem ser comunicadores objetivos das condições de tempo e de
informações sobre o clima, confusos, para dizer o mínimo. Como podemos manter
nossa integridade profissional e ao mesmo tempo exercer o nosso direito de
livremente expressar nossa opinião sobre uma questão que uma pesquisa recente do
instituto Harris indicou ser de grande preocupação para o público em muitos
países? Como podemos melhor aplicar a nossa própria educação especializada, conhecimentos
e habilidades de comunicação para ajudar o público a entender as questões complexas
das mudanças climáticas? Nós acreditamos fortemente que, acima de tudo, se
quisermos ser profissionais e de forma justa e objetiva comunicar a informação
científica (em oposição a uma opinião pessoal ou política), devemos usar a
nossa formação científica para permanecer tão informado quanto possível e se
certificar de ler além das manchetes.
Poucos de nós possuem vasta formação ou experiência de
pesquisa em modelagem climática global ou paleoclimatologia, física solar,
glaciologia, oceanografia, ou as numerosas outras disciplinas rigorosas
relacionadas com a mudança climática. No entanto, muitos dos indivíduos certificados
pela AMS, e CBMs (Certified Broadcast
Meteorologists), e a maioria dos CCMs (Certified
Consulting Meteorologists) possuem Bacharelado em meteorologia ou numa
ciência relacionada e deve confortável ler artigos ou resumos relacionados à
mudança climática no Boletim da Sociedade Meteorológica Americana (BAMS), no Journal of Climate, no Journal of Geophysical Research e noutras
fontes revisadas por pares como os sumários dos relatórios recentes do IPCC e do
NRC [3].
A expertise de
cientistas pesquisando ativamente a mudança climática está bem além daquela da
maioria dos meteorologistas profissionais, alguns dos quais podem ter apenas
formação básica em análise e previsão de tempo. No entanto, o público vê meteorologistas
da mídia como especialistas. Se nós, "especialistas" comunicarmos
informações conflitantes, transmitindo opiniões pessoais sem base científica, o
público pode ficar confuso e, muitas vezes, coletivamente "desligar-se"
da questão justamente quando ela requer mais atenção. O mesmo aconteceria se
nós emitíssemos opiniões pessoais conflitantes durante eventos meteorológicos
perigosos. Quando nos afastamos da objetividade de comunicar as últimas
descobertas científicas, oferecemos um desserviço ao público.
Conforme descrito nos programas CBM e CCM, um meteorologista
de mídia ou consultor deve permanecer o mais informado possível e atender à liderança
da AMS. A "Declaração da AMS sobre Mudança Climática", recentemente
aprovada pelo Conselho da AMS deve ser leitura obrigatória para todos nós, que nos
comunicamos com o público ou buscamos orientação sobre mudança climática.
Apesar de alguns de nós poderem discordar de sua formulação exata, o peso da
evidência científica por trás da declaração é muito sólida. Se nos consideramos
cientistas praticantes ou comunicadores da ciência, aqueles de nós com pouco ou
nenhum treinamento na ciência da Circulação Geral, das Interações Ar-Mar, da Física
da Radiação, e/ou em Modelagem Global dificilmente deveríamos nos deixar levar
a não concordar com a visão básica de consenso de muitos pesquisadores de
destaque que contribuíram para documentos como a Declaração de AMS ou outros
relatórios recentemente emitidos por painéis científicos de prestígio nacional
e internacional e artigos científicos com revisão por pares como o Journal of Climate. A visão de consenso
certamente não é final ou definitiva: nossa ciência é dinâmica, mas é a melhor
que se tem agora.
Em suas "Considerações finais", a declaração da AMS
coloca: "Apesar das incertezas observadas acima, existe evidência suficiente,
a partir de observações e interpretações de simulações do clima, para concluir
que a atmosfera, o oceano, e a superfície da terra estão se aquecendo, que os
seres humanos têm contribuído significativamente para essa mudança e que a mudança
climática subsequente vai continuar a trazer impactos importantes na sociedade
humana, nas economias, nos ecossistemas, na fauna e flora ao longo do século
XXI e além."
Se aqueles que representam e comunicam a nossa ciência compartilhada
ao público sentem uma necessidade de expressar opiniões pessoais sobre a
mudança global e o aquecimento global, então eles também têm a obrigação
profissional de pelo menos compartilhar as conclusões acima, que refletem o estado-da-arte
do pensamento de nossos colegas especialistas que trabalham ativamente para
melhor compreender e prever o que pode ser o maior desafio que nossa ciência já
enfrentou.
[1] James Spann, em http://climatebrains.com/?p=5
[2] http://www.ipcc.ch; http://climatesci.colorado.edu;
http://www.realclimate.org; http://www.climatescience.gov; http://icecap.us;
http://www.climatepolicy.org; http://www.pewclimate.org
[3] Nota minha: no Brasil, também o Relatório do PBMC
(Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas), a ser lançado em breve.
No Brasil, confesso que nunca vi um "homem do tempo" mencionar mudanças climáticas, seja aceitando ou rejeitando. De fato, é um posto de comunicação que poderia, e deveria, ser usado para se disseminar o conhecimento científico a respeito (aliás, os apresentadores de TV que dão a previsão do tempo, no Brasil, têm formação em Meteorologia?)
ResponderExcluirPor outro lado, já me chamou bastante a atenção a quantidade de meteorologistas (mesmo que ainda não graduados) na internet brasileira, que ficam dando corda à desinformação. Memes facilmente refutáveis, como a causa solar, ou a ODP, ficam sendo repetidos. O Molion da UFAL tem alguma culpa nisso, pois é bastante citado nesses casos. Eu me pergunto qual a medida de sua real influência nesse cenário.
Molion certamente tem uma responsabilidade importante nesse processo, principalmente porque é um orador privilegiado e habilidoso, contou com um grande suporte da mídia, principalmente através da TV Bandeirantes e porque, além de ser muito conhecido na comunidade, ainda leciona (no curso de Meteorologia da UFAL). Mas há realmente problemas sérios e intrínsecos nos currículos dos cursos no Brasil. A reforma e atualização dos mesmos é, ao meu ver, um assunto crucial a ser pautado pela nossa sociedade, a SBMET.
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