Artigo publicano na GRL utilizou dados de um VOR (veículo operado remotamente) submarino, como descrito no site do NOAA |
Artigo recentemente publicado no Geophysical Research Letters (GRL) reporta um estudo bastante interessante, que quantifica um mecanismo de amplificação do aquecimento do Ártico. O artigo, de autoria de M. Nicolaus e colaboradores é intitulado "Changes in Arctic sea ice result in increasing light transmittance and absorption" (Mudanças no gelo marinho do Ártico resultam em aumento da transmitância e absorção de luz) e baseado em observações utilizando um veículo submarino operado remotamente e chega a conclusões importantes.
Além da já conhecida redução da cobertura de gelo marinho durante os verões do Ártico, existe a tendência de o gelo do Ártico se tornar menos espesso. Além disso, ele tem se tornado mais "sazonal", isto é, é cada vez mais raro encontrar gelo marinho de vários anos de idade, por conta do derretimento mais intenso durante os verões. Como consequência, a maior parte do gelo encontrado no verão tem menos de um ano de idade, isto é, formou-se durante o inverno que o antecedeu.
Isto traz implicações importantes para o balanço energético da região. Evidentemente, uma menor área coberta pelo gelo, permitindo que mais radiação solar atinja o oceano, já é suficiente para disparar uma retroalimentação, como mostrado na figura ao lado. Enquanto o gelo reflete a maior parte da luz que incide sobre ele, o oceano absorve a maior parte da radiação solar. Daí, se o aquecimento reduz a cobertura de gelo, mais radiação solar é absorvida pelo sistema climático (no caso, pelo oceano), causando um aquecimento ainda maior. É um círculo vicioso, como outros que também atuam na dinâmica do clima.
O que o artigo da GRL traz de novidade é que as propriedades do gelo "jovem" (com menos de um ano) são diferentes das do gelo "velho" (com vários anos). Essas diferenças amplificam o feedback do gelo-albedo!
Os resultados apontam que mais radiação solar atravessa o gelo jovem (11%) do que o gelo velho (apenas 4%), o que está fortemente relacionado com a presença de mais poças d'água na camada de gelo mais recente (as estimativas do artigo são de 42% para o gelo jovem versus 23% para o gelo mais velho). A quantidade de energia absorvida sobre a camada de gelo jovem também é 50% maior do que aquela no gelo mais antigo. Os autores alertam que a maior penetração de radiação solar pode ter, além do impacto climático (um feedback do gelo-albedo amplificado), efeitos também sobre o ecossistema marinho.
O fato é que, possivelmente por não entendermos ainda por completo os mecanismos de retroalimentação que envolvem os oceanos e o gelo marinho, os modelos utilizados nas projeções de degelo não tem conseguido reproduzir a realidade. Sistematicamente, os modelos subestimam o ritmo de perda de gelo marinho, como temos sempre alertado.
A figura ao lado mostra isso muito bem. O nível de degelo atingido em 2012, segundo a média dos modelos, só seria esperado após 2065! Mesmo considerando o modelo mais "pessimistas", nada parecido com o que se viu este ano era esperado para antes de 2030!
Ora o trabalho, publicado por Nicolaus e co-autores, pode ter dado uma contribuição importante para entendermos o porque dessa discrepância. Quem sabe, incorporando o efeito das diferentes propriedades entre camadas de gelo jovem e gelo velho nos modelos, estes se aproximem da verdade observada. O que assusta, porém, é que mais uma vez se percebe que a realidade é mais grave do que se imaginava há alguns anos, que o aquecimento do sistema climático terrestre é mais acelerado do que o que se supunha.
É de causar indignação que, em tal situação, a negação dessa realidade ainda esteja tão presente, sendo alimentada por indivíduos que ou são inescrupulosos ou, na melhor das hipóteses, são levianos e irresponsáveis. Eu percebo que a maioria das pessoas, por não conseguir diferenciar o que é ciência de verdade e o que é embromação, anticiência e pseudo-ciência revestida com linguagem supostamente técnica, fica confusa. Como separar joio do trigo, então? Uma dica é procurar saber o que pertence ao domínio da literatura publicada com revisão, como a Science, a Nature, a GRL e outros periódicos de nossa área; identificar fontes confiáveis (como órgãos de pesquisa como NASA, NOAA, UK Meteorological Office e outros). Outra dica é não dar crédito a teorias de conspiração, pois estas sempre resultam, ao serem melhor exploradas, em disparates. Por fim, dar um voto de confiança ao conjunto dos cientistas que se dedicam, em sua maioria, a trabalhos que levam tempo para gerar resultados significativos, como os que mostramos aqui e que, em geral, compõem os painéis científicos sobre clima (internacionalmente, o IPCC e, no Brasil, o PBMC) e ser cético quanto aos "céticos" (que de céticos, ou seja, portadores de dúvidas sinceras nada têm, consistindo em negadores, isto é, indivíduos que se recusam a aceitar uma realidade, por maior que seja o volume de evidências).
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