Petróleo pode até gerar recursos para Ciência e Tecnologia, mas a que preço? |
Se há algo que me incomoda profundamente é ver, no meio acadêmico, uma nada contida empolgação (bastante ingênua, na maioria das vezes) com a possibilidade de exploração do pré-sal. É mais incômodo, porém, que a principal sociedade representante dos pesquisadores de nosso País, posicione-se desta forma, ignorando o conhecimento científico atual sobre o ciclo de carbono terrestre, a influência humana sobre ele via queima de combustíveis fósseis e as consequências sobre o sistema climático. Tomei, assim, a iniciativa de me dirigir diretamente a cada uma das diretoras e cada um dos diretores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, nos termos que seguem.
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Prezados Senhores e Senhoras, membros da Diretoria da SBPC
Na condição de pesquisador em clima, professor titular em minha instituição, bolsista de produtividade do CNPq (nível 2) e tendo colaborado com a elaboração do 1° Relatório de Avaliação do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, gostaria de fraternalmente apresentar um questionamento ao posicionamento de nossa Sociedade maior, no que diz respeito ao petróleo do pré-sal, sua extração e o uso dos seus recursos. Com todo o respeito devido, devo alertar, como cientista da área, como cidadão, e como pai, que não é mais admissível que, nos dias de hoje, se pense na utilização de fontes fósseis de energia passando ao largo da verdade inarredável dos profundos impactos da queima de petróleo, carvão e gás sobre o clima.
São diversas as fontes, incluindo a literatura científica revisada por pares em seu mais alto nível, que apontam os profundos riscos de se ultrapassar a barreira dos 450 ppm de CO2 atmosférico, o que corresponderia, a grosso modo, a romper o limiar crítico de 2°C, que representa um limite de colapso para diversos ecossistemas e de disparo de vários mecanismos de retroalimentação que podem tornar o aquecimento global um processo inteiramente auto-sustentado (inúmeros "feedbacks" positivos podem não só amplificar o sinal antrópico, como ganharem vida própria, incluindo os feedbacks do gelo-albedo e do vapor d'água e a liberação de gases de efeito estufa aprisionados no sistema terrestre via emissões de clatratos, derretimento do permafrost ou decaimento de florestas tropicais). 2012, com todos os extremos climáticos observados, tendo-se encerrado como o mais quente dentre os anos de La Niña (caracterizada pelo resfriamento do Pacífico equatorial, o que impacta a temperatura global média) e o décimo em geral, em todo o registro histórico, apresentou concentrações médias de CO2 de 394 ppm. Isto é perigosamente próximo do limite acima apresentado. Equivale, em condições em que tal concentração se estabilizasse, além dos 0,8°C de aquecimento observado a aproximadamente mais 0,7°C de aquecimento até o sistema climático terrestre restabelecer o balanço de energia.
Sem contar o que é emitido na cadeia produtiva, cada barril de petróleo contém cerca de 123 kg de Carbono. Caso o pré-sal brasileiro confirme as reservas efusivamente saudadas em http://www.sbpcnet.org.br/ site/busca/mostra.php?id=1784, de 338 bilhões de barris, isso equivale a 41,6 Gton de Carbono. Uma parte por milhão de CO2 atmosférico equivale a 2,12 Gton de C fóssil. Portanto, essa gigantesca reserva fóssil brasileira equivale a nada menos do que 19,6 ppm de CO2 na atmosfera.
Ainda que consideremos que o sistema terrestre (biota terrestre e, principalmente, os oceanos) sequestre aproximadamente metade dessa quantidade (há indícios de que esses sistemas estão sequestrando carbono a taxas menores do que no passado, como bem demonstrado no 4° relatório do IPCC, de 2007), 10 ppm já é uma contribuição muito elevada por parte do Brasil para agravar as condições climáticas. É nesse sentido que o petróleo do pré-sal não pode ser saudado, como não podem ser as areias betuminosas de Alberta, no Canadá e em Orinoco, na Venezuela. Como não podem ser saudadas as possibilidades de exploração do petróleo do Ártico, nem do gás de xisto nos EUA; tampouco as expansões propostas de mineração de carvão na China e na Austrália. Possíveis recursos advindos dos royalties do pré-sal podem pontual e momentaneamente ser alocados em nossos sistemas educacional e de desenvolvimento de C&T, mas a que preço?
Gostaria portanto, de forma aberta e sincera, de dialogar com V. Sas., para que nossa Sociedade abra este debate e que considere uma revisão de suas posições.
Saudações fraternas,
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Alexandre A. Costa, Ph.D.
Professor Titular
Mestrado em Ciências Físicas Aplicadas
Universidade Estadual do Ceará
O professor gasta muito tempo aqui, quase todos os dias tem um post novo, e isso porque ele está em aulas. Além disso, o professor também tem uma atividade política intensa.
ResponderExcluirEu fico pensando, em que horário esse professor estuda? Será um caso raro de aprendizado por osmose?
O que me admira não é, absolutamente, este professor se manifestar.
ExcluirO que me admira é que praticamente a totalidade dos pesquisadores brasileiros NÃO se manifestem publicamente a respeito de fato tão importante, e tão sedimentado na ciência e nas evidências acumuladas.
Um dos resultado desta omissão é a profusão de comentários na internet que ignoram completamente os fundamentos deste problema, como o do Sr. Constantino aqui.
Espero que a sua carta receba a devida atenção, Alexandre. A própria Academia Brasileira de Ciências já tornou pública sua posição quanto ao problema, embora apenas em documento que não alcança, de fato, o grande público.
ResponderExcluirA mensagem da SBPC termina por ser contraditória, e é algo que precisa ser evitado. Isso é também parte do problema que quis abordar, no outro tópico, ressaltando a necessidade de "mensagens simples e claras" por parte das instituições.