sábado, 17 de janeiro de 2015

O Clima não Joga Dados! (nem aposta na mega-sena)

Royal Straight Flush: o sonho de consumo do jogador de
poker é 40 vezes mais provável do que "não existir aque-
cimento global".
Está a fim de jogar poker? Sonha com aquele "Royal Straight Flush" (sequência de 10, valete, dama, rei e ás do mesmo naipe)? Prepare-se, pois a chance disso acontecer é de apenas uma em 649.739!

Ganhar 4 vezes seguidas na roleta, apostando diretamente no número? É possível, mas bem pouco provável, afinal a probabilidade é de uma em trinta e sete multiplicado por ele mesmo quatro vezes, ou seja, uma em 37 x 37 x 37 x 37 = 1.874.161

Quais as chances de se morrer atingido por um raio? Uma em 2.320.000 (claro, desde que você não suba ao topo de uma montanha no meio de uma tempestade segurando uma vareta metálica apontada para o céu).


Seu pavor de cobras não é também a coisa mais justificada. A não ser que se vá, desprevenido/a, para a mata, as chances de se morrer de uma picada é de uma em três milhões e meio. Deixemos os ofídios em paz, ok?

Se fosse você, eu teria mais medo de um CEO
da indústria fóssil do que de um "terrorista"...
Qual a probabilidade de ganhar a mega-sena com um bilhete com 7 dezenas marcadas? Uma em 7.151.980. Eis um motivo pelo qual eu não aposto...

Qual a chance de lançar 8 dados e todos eles caírem com a face "seis" voltada para cima? Uma em 10.077.696. Isto é praticamente tão improvável quanto se morrer em um atentado terrorista, cuja probabilidade é de apenas uma em 9.300.000...

Ah, e você "morre" de medo de avião? Não deveria. Afinal, a chance de morrer (morrer mesmo!) em um acidente aéreo no ano que vem não passa de uma em 11 milhões! Morrer em um acidente de carro é para lá de 20 vezes mais provável, então o "medo de avião" realmente não deveria passar de uma desculpa esfarrapada para segurar "pela primeira vez" a mão de outra pessoa.

Ataques de tubarões a humanos são evento
raro, improvável. Já o contrário...
Lembro que menor do que a chance de morrer este ano de um acidente aéreo é a de você sofrer um ataque de tubarão, durante sua vida inteira! A chance disso ocorrer é de uma em 11.500.000. Na verdade, como sabemos, são os tubarões que realmente têm o que temer quando encontram humanos. Nada menos do que 100 milhões de tubarões são mortos todo ano, num ecocídio pavoroso, que pode levar à extinção a linhagem de predadores marinhos que reina nos oceanos do planeta há quase meio bilhão de anos!

E sabe aquele sonho de se tornar um astronauta que muitas crianças costumavam ter? Então... O sonho se torna probabilidade em um em 13.200.000 de casos.

A chance de se obter um 6 no lançamento de um dado é de uma
em 6. Há uma chance de uma em 36 (6 vezes 6) de se obter dois
números 6 ao se lançar um par de dados. Com três dados, a chance
de se obter 6 em todos eles já é de uma em 216 (6 vezes 6 vezes 6)
e assim sucessivamente.
Quão provável é jogar 24 moedas para cima e todas elas caírem com a face da "cara" voltada para cima? As chances são de uma em 16.777.216

E qual a chance de uma pessoa ser canonizada? Uma em 20.000.000. De minha parte, ao me considerar ateu desde os 12 anos de idade, não seria o tipo de aposta a fazer mesmo...

Mas o que há em comum em todos esses eventos raros? Simples. Todos eles são mais prováveis de acontecer do que a concentração de anos mais quentes do registro histórico de temperatura se dar por obra do acaso!

Imagine que você tenha 135 cartas de baralho (na verdade, 135 é exatamente o total de anos desse registro histórico, de 1880 a 2014) e dessas 135 cartas, 15 são curingas. Ao embaralharmos tudo, o que você espera que aconteça com os curingas? Que eles se espalhem, claro. Alguns aparecerão na parte superior da pilha de cartas; outros ficarão pelo meio; outros, na parte de baixo. Certamente, por obra do acaso, em meio à sequência aleatória de cartas, pode ser que dois curingas fiquem juntos. Ou mesmo três. Quatro? Quem sabe... Mais do que isso, vai se tornando cada vez mais improvável.

E o que você diria se os curingas aparecessem praticamente todos juntos? Ou, mais exatamente, o que você iria imaginar se 13 das 15 cartas do topo da pilha fossem curingas? De tão improvável essa configuração, seria difícil aceitar que ela tenha surgido aleatoriamente, apenas embaralhando as cartas. Uma hipótese bem mais razoável é que alguém tenha arrumado as cartas de modo a concentrar os curingas. Afinal, a chance disso ser obra do acaso é de apenas uma em vinte e sete milhões.

Essa é a probabilidade de que "não haja aquecimento global", ou melhor, de que a ocorrência concentrada de anos mais quentes (13 dos últimos 15 anos estão na lista dos 15 com temperaturas mais altas) seja algo aleatório. Quase 4 vezes menos provável do que ganhar a mega-sena com um bilhete com 7 dezenas marcadas. Mais de 10 vezes menos provável do que você morrer eletrocutado por um raio. Mais de 40 vezes menos provável do que tirar, de cara, um Royal Straight Flush numa mão de poker. Uma em vinte e sete milhões é a chance de rodar a roleta russa 94 vezes e sair vivo!

Obra do acaso? 13 dos 15 anos mais quentes ocorreram de 2000 para cá e a chance disso ser um evento aleatório é de uma em 27 milhões. Na figura, a série de temperatura de 1880 a 2014 (este último, o mais quente de todo o registro). Os anos acima da média estão marcados em vermelho e os dez anos mais quentes, em vermelho escuro. Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso sabe interpretar este gráfico: a tendência de aquecimento é inequívoca.

Acontece que esta não é a única linha de evidência. A probabilidade de que os anos de maior perda de gelo marinho no verão do Ártico (desde que se iniciou o monitoramento por satélite) se concentrem justamente na última década (os 9 anos com mais degelo estão exatamente entre os 8 últimos de uma série de 40 anos) também é de cerca de uma em 27 milhões. Qual a chance de, por acaso, ambos sendo fenômenos aleatórios, sem conexão um com o outro de 13 dos 15 últimos anos estarem entre os 15 mais quentes (dentre 135) E 9 dos últimos 10 anos estarem entre os 10 com maior degelo (de um total de 40)? A lei de probabilidades diz que devemos multiplicar uma probabilidade pela outra. Ou seja, temos uma chance de uma em 27.000.000 vezes 27.000.000, ou seja, a probabilidade disso tudo ser um mero acaso é de 1/729.000.000.000.000 (uma chance em 729 trilhões, mais de vinte vezes menos provável do que você virar um astronauta E morrer atingido por um raio...). E se juntarmos a isso a probabilidade de a ocorrência de eventos extremos como supertufões (Bopha, Haiyan e Hagupit) passando 3 anos seguidos sobre as Filipinas? E se... Dá para percebermos, enfim, que não se pode lidar com o aquecimento do sistema climático como algo aleatório, muito menos achar que "o acaso vai nos proteger enquanto andarmos distraídos"?

Em meio a medos pouco ou nada racionais (como o de morrer num passeio de avião ou ser atacado por um tubarão nas próximas férias na praia, ou o medo de raios e trovões), o que nos impede de nos mobilizarmos precisamente contra algo que realmente deveria nos deixar em vigília, nos injetar a adrenalina que evolutivamente nos faz lutar? O que faz com que ignoremos o que poderia e deveria induzir um medo real? O que faz com que, sob mentiras e enrolações e falsas dúvidas plantadas por agentes (voluntários ou não) da indústria fóssil, deitemos confortavelmente nossas cabeças no travesseiro como se a crise climática não existisse? O que induz esse comportamento quando basta um simples cálculo de probabilidades para dissolver esse conforto ilusório e essa fé irresponsável num bilhete premiado?

Você toparia "brincar" de roleta russa? Toparia repetir a
brincadeira por 94 vezes? Não? Então seja coerente e
mobilize-se contra a crise climática.
Nessa jogatina maluca, em que apenas se enxerga a demanda incessante por mais energia para uma produção e consumo desenfreados, todas as apostas vão no uso de combustíveis fósseis para supri-la. O ponto é: a humanidade precisa parar de brincar com a sorte, pois o clima não é mesa de jogo. Quanto mais cortes severos nas emissões de gases de efeito estufa forem postergados, maiores serão as chances de consequências catastróficas, menor será a probabilidade de manter o sistema climático terrestre dentro de uma faixa de segurança e mais teremos de nos preocupar com a própria habitabilidade do planeta na perspectiva de nossa espécie. Quanto mais se "andar distraído" sem falar de petróleo, agronegócio, mobilidade urbana, poluição, consumismo etc., mais estaremos apontando uma arma contra nossas próprias cabeças. Da minha parte, eu não testaria a roleta russa climática nem uma vez sequer! Da minha parte, eu não entraria numa loteria cujo prêmio de mega-sena fosse apenas permanecer vivo!

Um comentário:

  1. O texto é certeiro em nos fazer perceber a realidade. Mas fica a questão: tudo é tão imensamente grande e complexo que... por onde começar? Alguém sabe?

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