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Mesmo que o CO2 não fosse um gás de efeito estufa, mesmo
que as não-linearidades do sistema climático jogassem a nos-
so favor e não contra... As emissões desse gás precisariam
ser detidas para evitar um holocausto oceânico. |
Quando nosso blog foi criado há 4 anos, já havia evidências impressionantes sobre a gravidade da crise climática e após a publicação do 5º relatório do IPCC e de uma série de artigos científicos nos periódicos mais conceituados, apenas ficou mais nítido que o quadro é simplesmente o de uma catástrofe se desenvolvendo perante nossos olhos: degelo, secas, ondas de calor, supertempestades, recordes climáticos e eventos anômalos um após o outro. Mas imagine por um instante que os negacionistas das mudanças climáticas tenham razão. Sim, sabemos que eles não têm, que aquilo que eles propagam são mentiras grotescas, e que o aquecimento global é real, é antrópico e é perigoso. Mas façamos brevemente esse esforço...
Imagine que a molécula de CO2 não tem propriedades físicas que a tornem capaz de absorver calor, que não haja relação entre a elevação de suas concentrações e o aquecimento observado no sistema terrestre. Pois é... Mesmo que isso não fosse puro
non-sense, a presença aumentada de CO2 na atmosfera ainda assim teria tudo para produzir uma calamidade no sistema Terra, justamente na porção dele que recobre mais de 70% da superfície planetária: os oceanos. A razão é simples: quando o CO2 se dissolve na água, altera o seu pH, tornando-a mais ácida. Isto ocorre por meio de uma reação química bastante simples, produzindo ácido carbônico que tipicamente libera um próton.
A água do mar normalmente é alcalina, ou básica, mas a presença em maior quantidade de CO2 na atmosfera faz com que o mesmo se dissolva na água também em maior quantidade do que antes. O pH oceânico pré-industrial era próximo a 8,2 e as mudanças já ocorridas desde então levaram a uma redução em cerca de um décimo. Pode parecer pouco, mas como o pH segue uma escala logarítmica (ele é definido como o simétrico do logaritmo da concentração de cátions hidrônio presentes em um meio), a cada décimo a menos no pH a acidez do meio aumenta em 25,9%.
Além disso, especialmente na superfície e nos trópicos o ambiente é em geral supersaturado com respeito a minerais de carbonato como a calcita e a aragonita, que são os materiais a partir dos quais muitos organismos marinhos fabricam suas conchas e exoesqueletos. A variável que dá essa medida é a "razão de saturação", representada pela letra grega Ω (ômega). A supersaturação implica em valores de Ω maiores que 1,0. Se Ω = 1,0, o ambiente está exatamente "saturado". Já para Ω < 1,0, o ambiente é dito subsaturado e portanto a tendência dele é de remover o carbonato de onde ele se encontra depositado. Em outras palavras, Ω < 1,0 quer dizer que a água é corrosiva para as estruturas duras dos organismos marinhos em questão. Abaixo, a reação química na qual o carbonato de cálcio, na presença de ácido carbônico (resultante da dissolução do CO2 em água) é simplesmente dissolvido.
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Projeção para a razão de saturação no final do século XXI no
cenário de grandes emissões de CO2. Quase todo o oceano
passa a exibir valores de Ω < 3 e em torno dos pólos, Ω < 1. o que implica que a água se torna corrosiva para aragonita. |
Existem estudos que mostram que a calcificação de corais depende fortemente dessa variável, não havendo grandes ecossistemas de corais para as localidades em que Ω < 3,0 para aragonita, o que sugere ser um limiar para esses organismos. Esses estudos também indicam que para 3,0 < Ω < 3,5, a concentração de carbonato é considerada baixa para os corais, sendo adequada para 3,5 < Ω < 4,0 e ótima para Ω > 4,0.
Dito isto, a projeção de como ficariam as condições oceânicas num cenário de grandes emissões é simplesmente assustadora. Primeiro, o pH marinho deve sofre alterações enormes, com uma redução em média maior do que 0,4, o que, em outras palavras, significa praticamente triplicar a concentração de íons hidrônio. Em oceanos 3 vezes mais ácidos, a sobrevivência de todos os seres vivos que dependam da fixação de aragonita se torna impossível em largas porções do planeta. E com eles, vão embora todos os demais que deles dependem. E essa dependência é profunda. Pequenos moluscos conhecidos como pterópodes compõem a base da cadeia alimentar em diversas regiões. É o alimento do qual dependem inúmeras espécies de peixes e cetáceos e de outros invertebrados. Para além da destruição e contaminação de habitats, da caça e pesca indiscriminadas e até mesmo da mudança do clima, a acidificação oceânica pode ser o golpe mais mortal da grande extinção do
Antropoceno, a
6ª extinção.
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Cientistas da NOAA fizeram um experimento: colocaram
conchas de pequenos moluscos em água com o pH proje-
tado para 2100. O resultado é que as conchas praticamente
se dissolvem em 45 dias. |
Os
negacionistas estão errados, é claro. A física por trás do efeito estufa é bastante simples: moléculas com três átomos ou mais como o dióxido de carbono, o vapor d'água, o ozônio e o metano possuem modos vibracionais cuja frequência corresponde à da radiação infravermelho. Em outras palavras, esses gases absorvem calor, o que leva a um
desequilíbrio no balanço de energia planetário e, portanto, ao aquecimento global. As não-linearidades do sistema climático
amplificam esse processo, tornando-o o risco associado às mudanças climáticas muito mais severos. Mas mesmo que nenhuma perturbação no sistema climático adviesse de nossa fome insana de energia, que já nos levou a emitir 1,5 trilhão de toneladas de CO2 para a atmosfera, ainda assim precisaríamos interromper essas emissões de maneira urgente se quisermos salvar o maior de todos os biomas terrestres, o local onde a própria vida se originou e evoluiu em nosso planeta. A Terra não merece um oceano morto e azedo.
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