Há bastante tempo, o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro descolou-se por completo das tradições de uma festa popular, para se tornar um grande negócio. Há mais de 30 anos, o Império Serrano já falava das "Super-Escolas de Samba S/A" em seu histórico enredo "Bum-bum-praticumbum-prugurundum". Mas acredito que nem o mais crítico dentre os que conceberam o enredo do Império naquele ano imaginava o que estaria por vir...
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Gigantesco carro alegórico da Grande Rio, em forma de plataforma de petróleo. |
O que vem se confirmando é uma tendência de que os patrocínios públicos e as velhas ligações com os bicheiros se tornem fontes insuficientes para o acúmulo de recursos necessários para bancar o desfile extremamente caro, luxuoso e midiático. Além de governos de estados e municípios, grandes empresas capitalistas passaram a ver o desfile do carnaval carioca como uma vitrine privilegiada. Governantes, não raro corruptos, e empresas que têm tudo para serem antipatizadas (em virtude dos setores econômicos em que atuam) passam a se blindar por trás do samba, dos e das passistas, do colorido das fantasias e alegorias, para venderem uma imagem mais aceitável.

É evidente que aquilo me trouxe profunda indignação, sendo eu conhecedor da profundidade dos males associados à indústria do petróleo. Além da questão climática, tão extensivamente abordada em outros textos que mostram a necessidade de se abandonar o petróleo e extinguir o uso de combustíveis fósseis, há outras que mereciam, da parte de qualquer indivíduo sério nesse planeta, uma abordagem mais crítica do que fazer apologia ao "ouro [negro] para alimentar o mundo" ou do apelo a mentiras do gênero "explorar não é destruir" e "se faltar vira o caos" (esta última uma aberração quando se sabe que o recurso não é renovável).
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Informações sobre o vazamento da Chevron, na Bacia de Campos, há somente 15 meses atrás! |
Dentre as outras questões, paralelas ao clima, incluo as guerras e a presença militar ostensiva das potências imperialistas sobre o Oriente Médio (Guerra do Yom Kippur, em 1973, Irã-Iraque, de 1980 a 1988, Guerra do Golfo, em 1991 e invasão militar do Iraque, em 2003) e os constantes acidentes graves, incluindo inúmeros vazamentos (como os devastadores vazamentos da Shell na Nigéria, o gigantesco desastre da BP no Golfo do México ou o, injustificadamente esquecido vazamento da Chevron, em plena Bacia de Campos). Somados os dois aspectos (guerras e acidentes), já se tem uma catástrofe humanitária e ambiental de proporções gigantescas, mesmo que o petróleo fosse inofensivo para o sistema climático global! De tão próximo, no tempo e no espaço, ao desfile ridiculamente apologético, o vazamento na Bacia de Campos (com informações acima) deveria estar minimamente vivo na memória.
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Esta deveria ter sido a "Comissão de Frente" da Acadêmicos do Grande Rio. Concepção por Matheus Rodrigues (@matheusrg no twitter) |
Cinicamente, o presidente da Grande Rio, Edson Alexandre, declarou: "Não é um enredo de patrocínio, ninguém veio aqui para dar dinheiro para a escola falar disso, e foi a OMPETRO (Organização dos municípios produtores de petróleo) que nos deu um apoio". Essa "organização" é presidida por ninguém menos que Rosinha Garotinho e é fundamental saber quem banca a entidade. Sabe-se que, por diversos meios indiretos, a indústria de combustíveis fósseis lança seus tentáculos de financiamento, evitando em muitos casos que o receptor dos recursos tenha sua imagem vinculada à indústria de petróleo. Foi o caso escandaloso até de instituições de caridade nos EUA, que eram usadas como laranjas para que o recurso das petroquímicas chegasse a falsos institutos de pesquisa que faziam propaganda de negação da mudança climática! Quem realmente bancou o espetáculo deprimente e milionário da Grande Rio, e por que mecanismos, é uma pergunta que fica no ar (assim como ficam no ar, a aquecer o planeta, as moléculas de CO2 advindas da queima no petróleo).
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Carcaça de cachalote, no Golfo do México, resultado do vazamento da British Petroleum |
Em tempo. Recolhi-me após esse espetáculo deprimente da Acadêmicos do Grande Rio. Já havia sido muito difícil aguentar ver peixes, águas-vivas, pássaros e répteis sendo retratados em alegorias e fantasias, quando se sabe qual o verdadeiro impacto histórico da exploração do petróleo sobre a micro e macrofauna marinha. A estimativa é a de que, considerando somente cetáceos (baleias e golfinhos), foram cinco mil mortos no vazamento da BP, no Golfo do México.
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Resultado do vazamento da Chevron |
Daí, foi somente a posteriori que soube que a Unidos de Vila Isabel, que veio a ser campeã, foi bancada pela Basf. Ou seja, os dois principais inimigos do clima em Terra Brasilis, a indústria de combustíveis fósseis e o agronegócio, estavam representados... uma verdadeira aberração! No caso da Unidos de Vila Isabel, é certamente um triste fim para uma escola que, um dia, já celebrou a Kizomba, falando da destruição do apartheid, homenageando Zumbi e a resistência negra...
Dragão do agronegócio, a BASF patrocinou o desfile da Unidos de Vila Isabel. Golpe de marketing bem sucedido! |
Marcelo Freixo, quando candidato a prefeito do Rio de Janeiro no ano passado, foi duramente criticado ao querer discutir o carnaval carioca, especialmente as grandes escolas. Ao meu ver, mostra-se justo e necessário. Há muito recurso público investido para que essas empresas de publicidade em que se transformaram as ex-escolas de samba só se preocupem em captar mais dinheiro do setor privado para fazer a sua propaganda. Virou um ex-carnaval. Virou um escárnio.
Realmente lamentável, camarada, que mais uma vez expressões populares como o Carnaval carioca estejam sendo apropriados por interesses escusos do Capital. Resistir é preciso.
ResponderExcluirSe um dia, antes de escrever, você se der ao trabalho de ler o enredo sobre o "ouro negro", vai ver que boa parte desse seu texto todo é besteira... Informe-se antes de escrever...
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