sábado, 23 de fevereiro de 2013

Forçando o clima: ratinhos vulcânicos e pulgas atômicas.

Forçantes radiativas de 1750 até o presente. Fonte: IPCC AR4.

A figura ao lado é uma das mais importantes do 4º relatório do IPCC. Ela mostra a melhor estimativa (com as incertezas) da contribuição de cada agente climático, incluindo efeitos de aquecimento e de resfriamento. Para compreendermos o gráfico, introduziremos o conceito de “forçante radiativa”.

O que é "forçante radiativa" (FR)? Nada mais é do que a quantidade de energia por unidade de tempo por unidade de área que é acrescentada ou retirada do sistema climático, em relação a um estado de referência. É medida em "Watts por metro quadrado", ou simplesmente 1 W/m(ou 1 Joule, que é a unidade de energia, por metro quadrado, por segundo). Qualquer agente que influencie o sistema climático no sentido de aquecê-lo produz uma forçante radiativa positiva. Outro agente, que atue no sentido de resfriá-lo, introduz uma forçante radiativa negativa. Esse excedente (caso positivo) ou déficit (caso negativo) de energia é, geralmente, estimado na “tropopausa”, isto é, na fronteira entre duas camadas da atmosfera: a troposfera (abaixo, até 8-18 km de altitude, a depender do local do globo, onde ocorrem os fenômenos de tempo meteorológico) e a estratosfera (logo acima, caracterizada pela camada de ozônio).


O Sol é a fonte primária de energia para o sistema climático
terrestre, porém, pelo fato de sua atividade variar num intervalo
muito pequeno, a forçante radiativa associada ao Sol (para a
qual, na verdade, só importam essas pequenas variações)
é, na verdade, bastante pequena.
Como sabemos, existem pequenas variações na atividade do Sol, que acompanham, por exemplo, o ciclo de manchas solares. O 4º Relatório do IPCC estima que a forçante radiativa do Sol desde 1750 até hoje é de +0.12 W/m2 [intervalo de +0.06 a +0.3, considerando as incertezas], ou seja, este contribuiu para um pequeno aquecimento desde então.

Os aerossóis, partículas em suspensão na atmosfera, produzidas como resultado da poluição industrial, motores a combustão e muitas atividades humanas, produzem, a grosso modo, dois tipos de efeitos: o chamado "efeito direto" e o chamado "efeito indireto".

O efeito direto diz respeito à reflexão (espalhamento) e absorção de luz solar por essas partículas em suspensão. Evidentemente, por impedir que certa quantidade de energia do Sol chegue à superfície, uma presença maior de aerossóis tende a produzir um resfriamento. Este efeito, desde a era pré-industrial até hoje, é estimado em -0.5 W/m2 [intervalo de -0.9 a -0.1].

Os aerossóis influenciam de muitas maneiras o balanço energético
do planeta. Mais detalhes no texto. Fonte da figura: IPCC AR4.
Já o efeito indireto diz respeito à influência dos aerossóis sobre as nuvens. Como as pequeninas gotas que compõem uma nuvem se formam ao redor dessas partículas, num ambiente com mais aerossóis, as gotículas das nuvens são mais numerosas e, consequentemente, menores (o vapor d'água, ao se condensar, se reparte em um número maior de partículas). Em decorrência disso, as nuvens, por terem mais gotículas, refletem mais radiação solar (isto é, têm um aumento no seu "albedo"), o chamado 1º efeito indireto. Além disso, essa população de gotículas muito pequenas não favorece a produção de chuva (para isso, gotas maiores têm de surgir, como resultado da colisão entre as gotículas). Daí, a nuvem tende a permanecer mais tempo no ambiente e a atingir dimensões maiores, refletindo mais radiação do que se ela tivesse se formado num ambiente com menor número de aerossóis. Este é o chamado 2º efeito indireto. O 4º Relatório do IPCC estima que o 1º efeito indireto dos aerossóis associado às atividades humanas contribui com uma forçante negativa de -0.7 W/m2 [intervalo de -1.8 a -0.3].

As três nuvenzinhas representam: à
esquerda, a estimativa mínima de
emissões vulcânicas de 
CO2, ao
centro, a estimativa máxima. À
direita, as emissões humanas.
Além do homem, grandes explosões vulcânicas também produzem aerossóis e é por isso que há uma tendência a um certo resfriamento do planeta após erupções gigantes como as do Monte Pinatubo (1991). O efeito dos vulcões, no entanto, é eminentemente passageiro. Aliás, por falar em vulcões, talvez este seja um momento interessante para desfazer um dos maiores mitos plantados pelos negadores, o de que os vulcões emitem mais CO2 do que a humanidade. Isso não é apenas um erro. É um erro gritante, brutal... escolha o adjetivo. É um erro de duas ordens de grandeza. Isso mesmo, estima-se que as emissões humanas sejam mais de 100 vezes maiores do que as emissões vulcânicas de CO2. As estimativas na literatura científica são de que estas encontram-se entre 65 e 319 milhões de toneladas por ano. As emissões humanas , por sua vez, chegaram, em 2010, a 33,5 bilhões de toneladas, isto é, 105 vezes a estimativa máxima das emissões vulcânicas e 515 vezes a menor estimativa! Mesmo a poderosíssima erupção do Pinatubo emitiu apenas 42 milhões de toneladas de CO2 ou 800 vezes menos do que nossas termelétricas, automóveis, queimadas etc. 

Mas voltando ao tópico principal, quais são, enfim, os agentes que respondem pelas maiores forçantes radiativas? A resposta é para lá de evidente: os gases de efeito estufa de vida longa produzidos pelas atividades humanas, para os quais, vale ressaltar, as incertezas nas estimativas de FR são bem pequenas, isto é, o efeito destes gases é algo muito bem conhecido, inclusive do ponto de vista quantitativo.

Metano e óxido nitroso estão ambos
fortemente associados às atividades
agropecuárias e são coadjuvantes de
peso no aquecimento global.
Dentre os gases de efeito estufa que vêm se acumulando na atmosfera na era industrial, o metano (CH4) responde por +0.48 W/m2 [intervalo de +0.43 a +0.53], quatro vezes maior do que a contribuição solar, e que praticamente já anula o efeito direto dos aerossóis. O óxido nitroso (N2O), por outros +0.16 W/m2 [intervalo de +0.14 a +0.18] e os halocarbonetos, por +0.34 W/m2 [intervalo de +0.31 a +0.37]. Somando estes dois últimos à pequena contribuição do Sol, fica-se próximo de anular o efeito indireto dos aerossóis estimado.

Mas, como esperado, o destaque, claro, vai para o CO2. Isoladamente é, de longe, o principal fator contribuindo para o aquecimento observado no sistema terrestre dos tempos pré-industriais até hoje. Sua forçante radiativa em 2005, tomando como referência o ano de 1750, era de +1.66 W/m2 [intervalo de +1.49 a +1.83].

Produzido pela queima de combustíveis
fósseis, o dióxido de carbono (ou CO2)
é quem mais contribui com as mudanças
recentes, observadas no clima terrestre.
Como esse valores se comparam com o restante dos agentes? pSozinho o efeito do CO2, é 50% maior em módulo do que os efeitos de resfriamento dos aerossóis somados. O papel do CO2 extra que se acumulou na atmosfera é provavelmente 14 vezes maior do que o efeito solar. Isso mesmo: 14 vezes! Detalhe: como a concentração desse gás já se elevou bastante nos últimos 7 anos, passando a 394 ppm, contra os 379 ppm de então, a forçante radiativa aumentou na mesma proporção. Não é à toa que temos insistido numa rápida transição para uma economia livre dos combustíveis fósseis!

Ao se fazer o balanço, chega-se à conclusão cristalina de que a contribuição humana para o clima é de aquecimento, com um valor de +1.60 W/m2 [intervalo de +0.60 a +2.40, cuja incerteza é resultado da acumulação de incertezas em cada componente, mas que se deve principalmente à quantificação ainda limitada dos efeitos dos aerossóis]. Isto equivale a 13 vezes o efeito solar.

A implicação disso é também muito clara. Como a superfície da Terra é de cerca de 515 milhões de quilômetros quadrados, ou 515 trilhões de metros quadrados, a energia aprisionada em nosso planeta, a cada segundo, principalmente por esse efeito estufa aumentado, é de aproximadamente 824 trilhões de Joules. Comparemos isso com a energia liberada na explosão da bomba "Little Boy", que devastou Hiroshima, liberando 67 trilhões de Joules. Chega-se à conclusão de que o aquecimento global equivale a 12 bombas de Hiroshima por segundo.

Massa de dióxido de carbono emitida
por vulcões é tão pequena diante das
emissões humanas quanto um rato,
diante de um de nós
A cada ano, acumulam-se, no planeta, 2,6x1022 (o número 26 seguido de vinte e um zeros) Joules, ou energia equivalente a 380 milhões de bombas de Hiroshima. Mas ao invés da devastação em um ponto, essa energia se distribui nos oceanos, derrete geleiras (lembrando que, enquanto mudam de fase, as substâncias em sua maioria, incluindo a água, não muda sua temperatura), derrete o permafrost (causando liberação de metano), aquece a superfície e o ar. 

Sabe-se que os oceanos absorvem a grande maioria dessa energia. Como a massa da hidrosfera terrestre é de cerca de 1,3x1022 kg, essa enorme quantidade de energia é suficiente para aquecer em quase meio grau (0,5°C) os oceanos, de cima abaixo, em um século. Evidentemente esse aquecimento não é homogêneo e se concentra na superfície, além do que a forçante radiativa não era tão grande anteriormente, mas não deixa de impressionar a semelhança entre este número e o aquecimento planetário observado de 0,8°C!

A relação de peso de uma pulga e de
um homem é a mesma entre a energia
liberada pela explosão da Bomba de
Hiroshima e a energia acumulada pela
Terra em virtude do aquecimento global
em um único dia.
 
Fato: a humanidade é a força climática mais poderosa dentre todas. Disparadamente! Nossa forçante radiativa é 14 vezes maior do que a das variações solares. É como a relação de peso entre um ser humano e um poodle toy. Nossas emissões de dióxido de carbono estão para as de todos os vulcões terrestres somados como o peso de um de nós está para o de um rato. Finalmente, a energia liberada pela bomba de Hiroshima está para a energia acumulada pelo efeito estufa antrópico em um único dia, como o peso de uma pulga está para o peso de um de nós.

Como o discurso negacionista sobrevive diante de evidências tão violentas é que realmente é uma questão intrigante...

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