domingo, 3 de fevereiro de 2013

Petróleo e Institutos de Pesquisa: Ciência para quê? Ciência para Quem?

Estudantes de Harvard dizem NÃO ao dinheiro da indústria
de combustíveis fósseis.
Um movimento bastante interessante tem começado a ganhar corpo dentro de algumas universidades dos EUA, incluindo a hiper-prestigiada Harvard. A reivindicação fundamental é a de que a Universidade rejeite recursos da indústria de combustíveis fósseis.  Em um artigo anterior, discuti o papel que alguns movimentos sociais poderiam cumprir, mas de certa forma ficou uma lacuna em relação ao movimento de estudantes (e também a uma possível intervenção política da comunidade acadêmica como um todo).

Existe, infelizmente, uma tendência, nas instituições universitárias, em estabelecer relações demasiado estreitas com a chamada "iniciativa privada". É certamente sedutor, à primeira vista, tanto para estudantes, que podem não apenas usufruir de bolsas como estabelecer relações que possam resultar em emprego, quanto para docentes que, com diferentes motivações (que vão desde salários defasados e preocupação com laboratórios sucateados a outras bem menos legítimas...), promovem esses vínculos que, não raro, deixam as universidades reféns das empresas e de seus interesses. Daí, para colocar a excelência de pesquisadores e laboratórios do serviço público a serviço de interesses privados é um passo. O que o movimento "divest" (o contrário de "invest") pauta é extremamente interessante, pois apresenta a perspectiva de desvincular a força de trabalho e a estrutura das universidades da dependência (e diria, promiscuidade) entre academia e indústria de combustíveis fósseis. 


Sei que esse é um tema delicado por estas bandas pois, no Brasil, a principal interface da academia com os combustíveis fósseis se dá por intermédio da Petrobrás. Esta empresa, que na verdade é de capital misto, consegue ainda manter uma aura de "pública" e é, de longe, a principal face da lógica de colocar a estrutura física e a inteligência das Universidades a serviço dos seus interesses de empresa. É nesse contexto que ela recruta instituições de pesquisa e induz uma ampla rede de estudos em instituições públicas de nível superior como se vê neste link. Essa rede envolve vários aspectos de interesse da Petrobrás e da indústria de combustível fóssil, em ramos da Geologia, Química, Oceanografia, etc. Recentemente, a UNIFESP deu início à implantação de seu "Instituto do Mar" que tem como um de seus primeiros cursos... Engenharia de Petróleo!

Mas... espere um minuto... isso não é bom? Vindo de mim, um pesquisador que frequentemente reivindica mais recursos para as Universidades públicas, não seria um contra-senso? Vamos lá, sem medo de colocar o dedo na ferida... Aparentemente, a intervenção da Petrobrás implica em muitos avanços, tanto no que diz respeito à quantidade de recursos que entra no ambiente acadêmico, como, em si, no próprio conhecimento cientifico e desenvolvimento tecnológico. Mas é aí que é preciso nos questionar: Ciência e Tecnologia... para quê e para quem?

Sem questionarmos "ciência para quê, ciência para quem?",
podemos incorrer em péssimas escolhas!
Não acredito que ninguém aqui defenda que qualquer estudo científico e qualquer tecnologia possam ser desenvolvidos. É evidente que podemos enumerar uma lista infindável de exemplos em que o conhecimento científico liberou forças destrutivas. Para citar somente dois, vamos nos limitar à criação do "agente laranja" e outros produtos químicos profundamente prejudicial ao ser humano e outras espécies vivas e à evolução dos armamentos, que chegou ao extremo da criação das armas nucleares, num processo que recrutou um número muito grande de físicos e cientistas de outras áreas. Há que se dizer sem meias palavras: os combustíveis fósseis são, hoje em dia, a principal força destrutiva planetária. Por mais que haja incertezas nas projeções climáticas (sempre haverá), é inquestionável que o clima está aquecendo, que isto é causado pelas atividades humanas (principalmente a queima desses combustíveis) e que, se não for contida, a desestabilização do clima terá consequências catastróficas para nossa civilização e para a biodiversidade em escala planetária. Ou seja, precisamos nos livrar dessa matriz, o quanto antes.


Sei que esta posição não é algo que irá ganhar as pessoas no interior do meio acadêmico sem resistência, mas é preciso ter paciência para explicar seu verdadeiro conteúdo e seu alcance. Além de muitos estudantes e pesquisadores-bolsistas dependerem hoje de projetos financiados pela Petrobrás, sabe-se que ela também não financia somente pesquisas diretamente vinculadas ao petróleo, o que inclui energias e combustíveis alternativos e, até mesmo, ciências ambientais, o que mascara o foco do financiamento de pesquisa dessa empresa que, evidentemente, está centrado em ampliar a capacidade de prospecção, extração e processamento do "veneno negro". Mas o que proponho não ameaça as posições dos que hoje dependem desses recursos para atuarem no meio acadêmico! Pelo contrário, garantirá que estes se livrem desse compromisso forçado com os combustíveis fósseis. Mais do que isso, criará muitas outras oportunidades para estudantes e pesquisadores trabalharem investigando o clima e o ambiente, desenvolvendo alternativas tecnológicas limpas para a matriz energética, o transporte e a agricultura, conduzindo pesquisas que contribuam para minimizar os impactos sobre o ambiente e a sociedade.

Neste sentido, a posição correta, ao meu ver, é que a comunidade acadêmica rejeite os recursos advindos diretamente da indústria de combustíveis fósseis. Ao mesmo tempo, deve reivindicar que recursos de  maior monta sejam retirados dessa mesma indústria, por meio do aumento da taxa de royalties, do estabelecimento de impostos sobre as emissões de carbono e, através da mediação do poder público, aplicados nas Universidades e Institutos de pesquisa. O objetivo, nesse caso é financiar uma série de iniciativas de ciência, tecnologia e inovação que promovam, ao invés de avanços tecnológicos para a indústria de combustíveis fósseis, soluções alternativas de mitigação e adaptação diante das mudanças climáticas. Ou seja, ao invés de permitir que a indústria de combustíveis fósseis induza pesquisas para si, deve ser uma decisão do poder público que ela financie a própria extinção


O Brasil conta hoje com o chamado CT-Petro, um fundo de Ciência e Tecnologia que recebe uma parte da parcela da União do valor dos royalties do petróleo e gás natural, mas para aplicar na própria cadeia produtiva desses mesmos combustíveis (quando poderia, por exemplo, ser investido no Fundo Clima)! No caso, substituiríamos esse fundo por uma espécie de "CT-Antipetro" (de envergadura bem maio) com a capacidade de financiar a nossa libertação da matriz fóssil.

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