O Ártico, além de abrigar diversas espécies de outros animais, como o urso polar (Ursus maritimus) e a raposa-do-Ártico (Alopex lagopus), mostrada na foto ao lado, é também o lar de inúmeros povos e comunidades tradicionais. Há diversas mudanças em curso no clima global, incluindo mudança na frequência de eventos extremos como ondas de calor, secas, furacões. Algumas dessas mudanças são nítidas, mas talvez nenhuma seja tão dramática, rápida e visível quanto o que está acontecendo por lá.
ESTÁ FALTANDO GELO
Dentre os indicadores que mais evidenciam o drama da região está a redução da área coberta por gelo marinho, monitorada pelo National Snow and Ice Data Center (NSIDC), cujas análises recentes têm trazido tudo menos boas notícias.
O recorde de mínima cobertura de gelo de 2012 permanece (em 17 de setembro de 2012, ela chegou a apenas 3,387 milhões de km2), já que o mínimo de 2016 foi de 4,137 milhões de km2, no dia 10 de setembro.
Mas o que está preocupando agora os cientistas é que não é apenas no verão que o Ártico está ficando com uma quantidade de gelo reduzida. De 19 de abril a 19 de junho deste ano, já havíamos observado os menores valores da área coberta por gelo do registro histórico. E agora, o gelo simplesmente não está retornando nem de perto para os valores esperados.
Entre 1980 e 2010, o gelo ocupava, em média, no dia 31 de outubro, 9,553 milhões de km2. Este ano, quando o normal deveria ser a curva tomar uma ascendente, indicando expansão do gelo, ela parece ter tomado um "caminho errado". O valor medido em 31 de outubro de 2016 (7,069 milhões de km2) é 26% menor do que o normal. Mesmo em 2012, quando a área coberta por gelo em setembro foi a menor da história, a essa altura já tínhamos 7,661 milhões de km2, 8,4% a mais do que este ano.
Resumindo, temos quase 2,5 milhões de km2 de gelo faltando e tudo indica que permaneceremos com números muito abaixo do normal até o fim do ano, batendo recordes negativos da área coberta por gelo (como de fato já estamos novamente de 18 de outubro para cá).
O GELO ANTIGO DESAPARECE
estudo que repercutiu nas redes sociais recentemente mostra um dos aspectos da dinâmica desse processo. Embora o processo de degelo e regelo seja cíclico, seguindo as estações do ano, a tendência tem sido a de que o degelo é em geral mais profundo e a recuperação menos extensiva, de tal modo que especialmente o gelo mais antigo tem desaparecido.
Walt Meier, glaciologista da NASA, resume assim o papel do gelo mais antigo: "Este gelo mais velho e mais espesso é como o muro de defesa do gelo marinho: um verão quente derrete todo o gelo jovem e fino, mas não consegue eliminar completamente o gelo mais velho". Mas o cientista também alerta que esse papel de "barreira" exercido por ele está comprometido, já que muito desse gelo se perdeu: "Porém esse gelo mais velho está ficando mais fraco porque existe em cada vez menor quantidade e o que resta dele está mais quebrado e fino, de modo que essa defesa não é mais tão boa quanto costumava ser."
De fato, como mostram as imagens, as mudanças são difíceis de se imaginar num período tão curto de tempo. Há 3 décadas, o gelo com 5 ou mais anos de idade ocupava uma área quase 17 vezes maior do que hoje em dia! Em setembro de 1984, esse gelo mais velho cobria 1,86 milhões de quilômetros quadrados, ao passo que em setembro de 2016 só nos restaram 110.000 km2.
A REDUÇÃO EM VOLUME É AINDA MAIS ASSUSTADORA
A física e a matemática básicas nos lembram que a quantidade total de gelo, isto é, sua massa, é proporcional não à área, mas ao volume e que este, por sua vez, é a grosso modo dado pelo produto da área pela espessura. E aí é que o bicho pega. Pois não é apenas em área que o gelo do Ártico tem encolhido. É sobretudo em volume.
Diferente dos cálculos de área que são mais precisos, já que são feitos diretamente a partir de imagens de satélite, as estimativas de volume são mais incertas (já que não há medidas de espessura do gelo), dependendo daquilo que nós chamamos de reanálise, incluindo o uso de modelos computacionais. A melhor dessas estimativas é fornecida pelo PIOMAS (Pan-Arctic Ice Ocean Modeling and Assimilation System ou Sistema de Modelagem e Assimilação Oceânicas do Gelo Pan-Ártico).
Só que não tem "incerteza" que possa servir de argumento para minimizar a catástrofe revelada por essa base de dados. O resumo é que o gelo do Ártico está desaparecendo numa velocidade bem maior do que aquela inicialmente prevista a partir de modelos climáticos. Como bem mostra a figura, a tendência tanto no período em que o gelo atinge seu máximo (abril) quanto no período em que seu volume é mínimo (setembro) é de redução em ritmo acelerado: 2600 km3 e 3200 km3 por década, respectivamente. Nesse ritmo, são grandes as chances de que até o início da década de 2030 tenhamos o primeiro verão com o Ártico completamente livre de gelo marinho.
Não é à toa que o gráfico que melhor descreve essa redução, ano após ano, do volume do gelo marinho do Ártico foi apelidado de "espiral da morte" (tendo ganho uma versão animada recentemente), conforme mostrado. Alguns dados dessa espiral chamam a atenção, como o fato de que recentemente o volume de gelo nos meses de janeiro (isto é, em pleno inverno do hemisfério norte) diminuíram ao ponto de chegar ao volume que há três décadas e meia era típico do trimestre de valores mais baixos (agosto a outubro).
AMPLIFICAÇÃO DO ÁRTICO: A SENTENÇA DE MORTE DE UMA CALOTA POLAR INTEIRA
É provável realmente que nenhum lugar do mundo esteja a mudar tão dramaticamente quanto o Ártico. É uma demonstração violenta do poder escondido por trás da complexa dinâmica do sistema climático terrestre: as retroalimentações, ou feedbacks.
No caso do Ártico, a retroalimentação ou "feedback do gelo-albedo", representado na figura ao lado, segue a seguinte regra: a perda de gelo marinho faz com que uma maior porção do oceano fique exposta à luz solar nos meses de verão (justamente quando o gelo ocupa uma menor área e quando as perdas medidas década após década são maiores). O oceano, que passa a absorver quantidades cada vez maiores de radiação solar redistribui o calor através de suas correntes, eventualmente levando-o até onde o gelo marinho ainda resiste, derretendo-o.
Com as concentrações atmosféricas de CO2 continuando acima de 400 partes por milhão é quase certo que esse processo se tornou irreversível. O Ártico deixou de cantar, como um canário numa mina de carvão e uma calota polar se dissolvendo a olhos vistos deveria ser aviso muito mais do que suficiente que é hora de recuar. O que é realmente espantoso é que como mineiros suicidas, permanecemos seguindo em frente.
ESTÁ FALTANDO GELO
Dentre os indicadores que mais evidenciam o drama da região está a redução da área coberta por gelo marinho, monitorada pelo National Snow and Ice Data Center (NSIDC), cujas análises recentes têm trazido tudo menos boas notícias.
O recorde de mínima cobertura de gelo de 2012 permanece (em 17 de setembro de 2012, ela chegou a apenas 3,387 milhões de km2), já que o mínimo de 2016 foi de 4,137 milhões de km2, no dia 10 de setembro.
Mas o que está preocupando agora os cientistas é que não é apenas no verão que o Ártico está ficando com uma quantidade de gelo reduzida. De 19 de abril a 19 de junho deste ano, já havíamos observado os menores valores da área coberta por gelo do registro histórico. E agora, o gelo simplesmente não está retornando nem de perto para os valores esperados.
Entre 1980 e 2010, o gelo ocupava, em média, no dia 31 de outubro, 9,553 milhões de km2. Este ano, quando o normal deveria ser a curva tomar uma ascendente, indicando expansão do gelo, ela parece ter tomado um "caminho errado". O valor medido em 31 de outubro de 2016 (7,069 milhões de km2) é 26% menor do que o normal. Mesmo em 2012, quando a área coberta por gelo em setembro foi a menor da história, a essa altura já tínhamos 7,661 milhões de km2, 8,4% a mais do que este ano.
Resumindo, temos quase 2,5 milhões de km2 de gelo faltando e tudo indica que permaneceremos com números muito abaixo do normal até o fim do ano, batendo recordes negativos da área coberta por gelo (como de fato já estamos novamente de 18 de outubro para cá).
O GELO ANTIGO DESAPARECE
estudo que repercutiu nas redes sociais recentemente mostra um dos aspectos da dinâmica desse processo. Embora o processo de degelo e regelo seja cíclico, seguindo as estações do ano, a tendência tem sido a de que o degelo é em geral mais profundo e a recuperação menos extensiva, de tal modo que especialmente o gelo mais antigo tem desaparecido.
Walt Meier, glaciologista da NASA, resume assim o papel do gelo mais antigo: "Este gelo mais velho e mais espesso é como o muro de defesa do gelo marinho: um verão quente derrete todo o gelo jovem e fino, mas não consegue eliminar completamente o gelo mais velho". Mas o cientista também alerta que esse papel de "barreira" exercido por ele está comprometido, já que muito desse gelo se perdeu: "Porém esse gelo mais velho está ficando mais fraco porque existe em cada vez menor quantidade e o que resta dele está mais quebrado e fino, de modo que essa defesa não é mais tão boa quanto costumava ser."
De fato, como mostram as imagens, as mudanças são difíceis de se imaginar num período tão curto de tempo. Há 3 décadas, o gelo com 5 ou mais anos de idade ocupava uma área quase 17 vezes maior do que hoje em dia! Em setembro de 1984, esse gelo mais velho cobria 1,86 milhões de quilômetros quadrados, ao passo que em setembro de 2016 só nos restaram 110.000 km2.
A REDUÇÃO EM VOLUME É AINDA MAIS ASSUSTADORA
Evolução do volume de gelo (em milhares de km3) para os meses de abril (em azul) e setembro (vermelho) |
Diferente dos cálculos de área que são mais precisos, já que são feitos diretamente a partir de imagens de satélite, as estimativas de volume são mais incertas (já que não há medidas de espessura do gelo), dependendo daquilo que nós chamamos de reanálise, incluindo o uso de modelos computacionais. A melhor dessas estimativas é fornecida pelo PIOMAS (Pan-Arctic Ice Ocean Modeling and Assimilation System ou Sistema de Modelagem e Assimilação Oceânicas do Gelo Pan-Ártico).
Dados do PIOMAS para todos os meses mostrado em formato de "espiral da morte". |
Não é à toa que o gráfico que melhor descreve essa redução, ano após ano, do volume do gelo marinho do Ártico foi apelidado de "espiral da morte" (tendo ganho uma versão animada recentemente), conforme mostrado. Alguns dados dessa espiral chamam a atenção, como o fato de que recentemente o volume de gelo nos meses de janeiro (isto é, em pleno inverno do hemisfério norte) diminuíram ao ponto de chegar ao volume que há três décadas e meia era típico do trimestre de valores mais baixos (agosto a outubro).
AMPLIFICAÇÃO DO ÁRTICO: A SENTENÇA DE MORTE DE UMA CALOTA POLAR INTEIRA
É provável realmente que nenhum lugar do mundo esteja a mudar tão dramaticamente quanto o Ártico. É uma demonstração violenta do poder escondido por trás da complexa dinâmica do sistema climático terrestre: as retroalimentações, ou feedbacks.
No caso do Ártico, a retroalimentação ou "feedback do gelo-albedo", representado na figura ao lado, segue a seguinte regra: a perda de gelo marinho faz com que uma maior porção do oceano fique exposta à luz solar nos meses de verão (justamente quando o gelo ocupa uma menor área e quando as perdas medidas década após década são maiores). O oceano, que passa a absorver quantidades cada vez maiores de radiação solar redistribui o calor através de suas correntes, eventualmente levando-o até onde o gelo marinho ainda resiste, derretendo-o.
Com as concentrações atmosféricas de CO2 continuando acima de 400 partes por milhão é quase certo que esse processo se tornou irreversível. O Ártico deixou de cantar, como um canário numa mina de carvão e uma calota polar se dissolvendo a olhos vistos deveria ser aviso muito mais do que suficiente que é hora de recuar. O que é realmente espantoso é que como mineiros suicidas, permanecemos seguindo em frente.
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