segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

COP21: Apesar do Show, o Copo Está 80% Vazio (por Daniel Tanuro)

Daniel Tanuro, ambientalista/ecossocialista belga
A Conferência do Clima (COP21, em Paris) levou, como esperado, a um acordo. Ele entrará em vigor a partir de 2020 se for ratificado por 55 dos países que são signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e que representem pelo menos 55% das emissões globais de gases de efeito estufa. À luz das posições tomadas em Paris, esta dupla condição não deve levantar qualquer dificuldade (embora a não ratificação do Protocolo de Quioto pelos Estados Unidos mostra que surpresas são sempre possíveis).

"Bem abaixo dos 2 ° C": como?

O acordo estabelece o objetivo de "manter o aumento da temperatura média global a bem menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais e de prosseguir os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, reconhecendo que este reduziria significativamente os riscos e impactos das mudanças climáticas ".

Além disso, o preâmbulo do acordo afirma a sua vontade de atingir estes objetivos, respeitando o princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, direitos humanos, o direito à saúde, o direito ao desenvolvimento, os direitos dos povos indígenas, os direitos das pessoas com deficiência e crianças, a igualdade de género (promovendo o "empoderamento" das mulheres), bem como a solidariedade entre gerações, salientando a importância de uma "transição justa" para o mundo do trabalho e tendo em conta as respectivas capacidades dos países.

Pode-se, naturalmente, apenas concordar com estas posições, mas o texto aprovado pelos 195 países representados na COP não dá nenhuma garantia de que elas serão efetivamente seguidas. Além disso, e mais importante, ele permanece completamente vago no que diz respeito aos prazos para os objetivos climáticos a serem alcançados: simplesmente diz que "as partes têm como objetivo atingir um pico global das emissões de gases com efeito de estufa o mais rápido possível, reconhecendo que o pico vai demorar mais tempo para países em desenvolvimento, e realizar reduções rápidas posteriormente, em conformidade com a melhor ciência disponível, de modo a alcançar um equilíbrio entre as emissões antrópicas por fontes e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa na segunda metade deste século”. No entanto, o ano de pico, a taxa anual de reduções globais das emissões após este pico e o tempo preciso entre 2050 e 2100, onde o equilíbrio global das emissões/remoções é conseguida condicionam a estabilização do aquecimento em um ou outro nível.
Os objetivos do Acordo de Paris são justos, cientificamente e
socioambientalmente. Mas o caminho que ele aponta não é
coerente com os objetivos. Será mesmo possível "reconciliar
o irreconciliável"?

"Reconciliar o irreconciliável?"

Com a palavra perante o plenário de participantes, em 12 de dezembro de 2015, o presidente francês François Hollande saudou o fato de que a conferência tinha "reconciliado o que parecia irreconciliável" através da adopção de um documento "ambicioso e realista". "O acordo decisivo para o planeta é agora", concluiu. Falando diante dele como presidente desta COP, seu ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius, saudou um resultado que representa "o melhor equilíbrio possível."

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima data de 1992. Isso levou a uma sequela muito insuficiente: o Protocolo de Quioto. Durante alguns anos, o desafio do clima tem contribuído cada vez mais para minar a legitimidade do capitalismo e da credibilidade de seus gestores políticos. Na esteira da COP em Paris já está claro que seremos confrontados com uma ampla contra-ofensiva, que visa difundir a ideia de que o sistema, ao contrário do que foi dito, é capaz de conter o desastre que criou, e que os governos ao seu serviço estão à altura do desafio diante deles.

Aqueles que não acreditam na possibilidade de um capitalismo verde, que não acreditam em particular na possibilidade de salvar o clima sem pôr em causa a tendência fundamental do sistema para o crescimento, portanto, têm interesse em examinar o acordo de Paris a partir desta ângulo: a COP21 "concilia o inconciliável"? Este artigo se concentra principalmente nisso. Vamos voltar mais tarde em outros aspectos do acordo, tais como adaptação, o apoio aos países do Sul, e assim por diante.

Então, teria Paris desmentido as esses terrivelmente mal-humorados e pessimistas ecossocialistas? A resposta a esta pergunta é -pelo menos - 80% "não". Por que 80%? Porque, com base na competência técnica do secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), podemos dizer que apenas um quinto do caminho para ficar abaixo dos 2°C de aquecimento foi adotado (e isso só em papel!). Em outras palavras, não é um caso de o copo estar meio cheio e meio vazio: o copo de COP21 é quatro quintos vazio, pelo menos. No fundamental, a catástrofe climática continua e a evidência de que as coisas consideradas irreconciliáveis podem ser conciliadas não foi apresentada. Vamos explicar.

Entre o Acordo e as INDCs

Há dois elementos na negociação: o acordo aprovado em Paris e seu preâmbulo, por um lado, e os "Planos Climáticos" projetados, que cada país participante na Conferência adotou e enviou ao Secretariado da UNFCCC em vista da COP, de outro. No jargão dos negociadores, estes planos climáticas são designados pela sigla INDC (da sigla em inglês para "contribuições pretendidas determinadas a nível nacional"). O texto adoptado em Paris coloca o objetivo de um aquecimento reduzido a 2°C, tão próximo quanto possível para 1,5 ° C. Mas as INDCs - que dizem respeito a 2025 ou 2030 - estão longe de atingir este objetivo: de acordo com as estimativas que foram feitas, o seu efeito cumulativo seria o de nos levar em direção a um aquecimento catastrófico de cerca de 3 ° C.
 
Há uma diferença clara entre o objetivo do Acordo de Paris e
o resultado projetado da aplicação das metas voluntárias dos
Países, como analisamos neste texto. É possível superar essa
diferença "de forma rentável"?
Esta contradição entre as declarações de intenção do acordo e da realidade dos planos dos países que são signatários do acordo sobre o clima não é um segredo. O preâmbulo do acordo adoptado em Paris "(aponta) com séria preocupação a necessidade urgente de se combater a diferença significativa entre o efeito agregado das promessas de mitigação das Partes em termos de emissões globais anuais de gases de efeito estufa até 2020 (de um lado), e as curvas de emissões acumuladas consistentes com o objetivo de manter o aumento da temperatura média do globo no bem abaixo de 2°C e continuar a desenvolver esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 ° C (do outro). "

Esta diferença entre o efeito cumulativo das INDCs e o objetivo de 1,5 a 2°C adotado em Paris tem sido estudada pelo grupo de trabalho ad hoc estabelecido na COP em Durban para decidir sobre as formas e meios de reforçar o nível de ambição da política climática (Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre a Plataforma de Durban para Ação Avançada). Em 30 de Outubro de 2015, no âmbito da preparação da COP21, este grupo de trabalho apresentou um relatório detalhado ao Secretariado da UNFCCC.

Neste texto, a soma das emissões das INDC nos prazos de 2025 e 2030 é comparado com o "business as usual" de emissões, por um lado, e, por outro, com variantes da trajetória de redução para as emissões globais que deve ser seguida, de acordo com o IPCC, para uma probabilidade de 66% de manter o aquecimento abaixo dos 2°C "pelo menor custo" (essas trajetórias constituem o que o último relatório do IPCC chamado de "cenários de menor custo de 2°C").

O método dos autores do estudo é simples: eles tomam o "business as usual" das emissões como o cenário de referência (0% do objetivo de 2°) e o "cenário de menor custo de 2°C", como o objetivo a se alcançar (100 % do objetivo de 2°); isto feito, eles expressam a soma das reduções de emissão projetadas pelos INDCs como uma percentagem do objetivo de 2°. Aqui, a conclusão: "nessa comparação, estima-se que as INDCs reduzam a diferença entre os cenários das emissões do "business as usual" e de 2°C em 27% em 2025 e 22% em 2030". É por isso que dissemos acima que "o copo da COP21 está 80% vazio".

Aliás, não se exclui a possibilidade de este número de 80% seja pior na realidade. As INDCs devem ser submetidas a uma avaliação mais detalhada para verificar se os estados não têm inflado seus números, a fim de passar uma imagem de bons alunos. Trapaças desse tipo já ocorreram várias vezes em relação ao clima (nós lembramos, por exemplo, da maneira que os Estados membros da União Europeia superestimaram as emissões de suas indústrias poluentes, para que estas recebessem gratuitamente um máximo direito de emissão revendido com lucro). O fato de que um bom número de INDCs depende fortemente de remoções de CO2 por florestas, ou em reduções relativas às emissões, e relativamente pouco sobre reduções líquidas, incentiva a desconfiança. Mas deixemos este aspecto para os especialistas e vejamos como o Acordo de Paris tem a intenção de preencher a lacuna entre as INDCs e o objetivo de um aquecimento mantido entre 1,5 a 2°C.

Completando a lacuna

De antemão, devo confessar que um ponto dos relatórios do IPCC continua inexplicável para mim: considerando que o diagnóstico da gravidade das alterações climáticas é cada vez mais preocupante e o fenômeno está crescendo muito mais rapidamente do que o projetado pelos modelos, como é que o pico das emissões globais de gases de efeito estufa, a fim de que haja uma chance de 66% de permanecermos abaixo do limite de 2°C foi adiada de forma tão significativa entre o quarto e o quinto relatório? De acordo com o quarto relatório, de modo a não exceder a 2°C de aquecimento, seria necessário que o pico das emissões globais viesse até 2015; No entanto, de acordo com o quinto relatório, ainda seria possível permanecer abaixo dos 2°C, começando a reduzir as emissões globais só em 2020, em 2025, e ainda em 2030 - embora ao preço de dificuldades cada vez mais significativas. Suponho que os autores dos relatórios não queiram simplesmente de manter a chama da esperança, e que haja uma explicação científica para este elisão. Mas eu não sei.

Em todo caso, vamos supor que o pico de emissões compatível com 2°C ou 1,5°C pode realmente ocorrer apenas em 2025 ou em 2030, para voltarmos à nossa pergunta: como é que o acordo de Paris prevê superar o fosso entre as INDCs e o objetivo de um aquecimento "bem abaixo de 2°C"? A resposta está no texto aprovado: através da revisão dos INDCs a cada cinco anos, com o objetivo de aumentar a ambição. Esta revisão será baseada unicamente na boa vontade das partes: o acordo não é juridicamente vinculativo e não prevê nenhuma penalidade, por isso, enquanto a casa pega fogo, um compromisso tão fraco como esse é apresentado como um avanço histórico.

Uma das questões importantes aqui é a do momento: o Acordo de Paris entrará em vigor em 2020, e a primeira revisão terá lugar apenas em 2023. Lembremo-nos que foram necessários oito anos para ratificar o Protocolo de Kyoto, que dizia respeito a apenas um pequeno número de países e reduções de emissões irrisórias implementadas. E pensar que em dez anos, enquanto as tensões geopolíticas estão crescendo, 195 países irão concordar rapidamente sobre os 80% do caminho que ainda faltam para salvar o clima é na realidade jogar roleta russa com o destino de centenas de milhões de seres humanos e com os ecossistemas. A COP21 não invalida a análise ecossocialista, pelo contrário, confirma-o: o sistema capitalista, quando se depara com os limites ecológicos, apenas adia a solução dos problema que enfrenta, tornando-os cada vez mais complexos e perigosos.

90% dos combustíveis fósseis precisam permanecer no subsolo
para que tenhamos pelo menos 50% de chances de manter o
sistema climático abaixo de 2°C de aquecimento em relação
ao período pré-industrial
Combustíveis fósseis

Em relação aos perigos, aqueles que insistem em acreditar que um milagre aconteceu em 12 de dezembro em Le Bourget devem ainda fazer mais duas perguntas:

-       - Como é que as palavras ou expressões "combustíveis fósseis", "indústria", "carvão", "petróleo", "gás natural", "automóvel" (ou “indústria automobilística”, e outros igualmente cruciais para o tema que nos ocupa, não aparecem todos no texto de Paris? Que a palavra "energia" é usada apenas duas vezes na mesma frase sobre a África (ainda mais em nome da Agência Internacional de Energia)?
-       - Como é que as palavras ou expressões "transição energética", "sobriedade energética", "reciclagem", "reutilização", "bens comuns", "localização" em nenhum momento são usados? Que a expressão "energia renovável" é usada apenas uma vez, e apenas sobre os países "em desenvolvimento" ("África em particular")? Que "biodiversidade" é usada apenas uma vez? Que o conceito de "justiça climática" aparece apenas uma vez, como "importante para alguns" - precisamente neste mesmo parágrafo que menciona a biodiversidade e a importância ("para alguns" também!) Da Mãe Terra?

Essas lacunas não são fruto do acaso, mas a marca de um projeto específico, uma estratégia de resposta capitalista para o desafio climático. Os negacionistas do clima parecem estar a perderem atenção da própria classe dominante, e tanto melhor que seja assim. No entanto, seria errado considerar aliviado que o Acordo de Paris é um "sinal forte", que "irá virar a página dos combustíveis fósseis" ou marcará o ponto de viragem para uma "transição justa", como algumas pessoas têm dito . Os responsáveis ​​pelo desastre - setores de combustíveis fósseis e de crédito, em termos gerais - ainda se seguram firme ao leme.

Um ponto de viragem, mas qual?

Paris é um ponto de viragem? Provavelmente. Há provavelmente consciência, nas mais altas esferas, do enorme e incalculável risco que o aquecimento global representa para a sociedade, a sua coesão e sua economia, se não for confrontado (a Encíclica do Papa Francisco é uma manifestação desse fenômeno). É provável que alguns tomadores de decisão capitalistas queiram mais do que usar essa COP como uma cortina de fumaça para esconder o desastre que sua má gestão política tem produzido desde a Cúpula da Terra em 1992, que eles tentem vencer o fosso entre as INDCs e o que é necessário para conter o aquecimento abaixo de 2°C. Mas é muito improvável (e isto é um eufemismo) que eles venham a ter sucesso: a sua sensibilização chegou muito tarde, o capital de combustíveis fósseis tem seu pé no freio e o mundo multipolar é dilacerado por rivalidades interimperialistas ferozes, sem clara liderança.

Além disso, o objetivo não é tudo, há também a forma. O "cenário de menor custo para 2°C" que inspira os estrategistas é o uso não só das "energias suaves", mas também da energia nuclear, da queima de combustíveis fósseis com captura de sequestro de carbono, da gigante hidroeletricidade e da combustão de biomassa com "recuperação de carbono". O quinto relatório do IPCC é claro: sem isso, permanecendo abaixo de 2°C "não é rentável", os custos explodem e os lucros são ameaçados! Sacrilégio!

"Estado de emergência"? Que emergência pode ser maior do
que a crise climática?
Na parada de sucessos das tecnologias de aprendiz de feiticeiro, a combustão de biomassa com a recuperação de carbono ganhou posições (Bioenergia com captura e sequestro de carbono, ou BECCS). Os seus apoiantes argumentam que a queima deste biomassa, através do armazenamento do CO2 a partir desta combustão e cultivando uma nova biomassa para queima que vai absorver o CO2 do ar, não só vai reduzir as emissões mas também reduzir o estoque de CO2 acumulado na atmosfera. O raciocínio é impecável, mas o enorme consumo de biomassa que esse projeto envolve só pode destruir tanto os ecossistemas e as comunidades humanas que vivem lá. Compensações, destruição de biomassa e armazenamento de carbono estão no coração do acordo de Paris. O texto anuncia um amplo "mecanismo para o desenvolvimento sustentável". Ao lê-lo, entendemos que ele vai simplesmente amplificar ao máximo o "mecanismo de desenvolvimento limpo" do Protocolo de Quioto, através do qual as empresas de automóveis europeus, em particular, "compensam" suas emissões, investindo no Sul em projetos de "floresta" nas costas dos povos indígenas.


Essa é a "ambição realista" descrita por Hollande. Essa é a verdadeira face do que alguns persistem saudando como a marcha em direção a um "capitalismo verde". Vamos lidar com a realidade. O que está sendo posto em prática em nome do "desenvolvimento sustentável" é antiecológico e antissocial, não vai salvar o clima e vai exigir cada vez mais repressão para quebrar a resistência e silenciar a dissidência. Decretado sob o pretexto de combater o terrorismo, o Estado de emergência na França é, sob qualquer perspectiva, muito revelador de certas tendências ocultas desta COP.

(Daniel Tanuro, agrônomo e militante ambientalista/ecossocialista, escreve para "La Gauche", revista mensal da LCR-SAP, seção belga da IV Internacional)

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