Não adianta torcer o nariz. Mesmo se você não concorda com suas teorias e posições político-ideológicas, eu sei que você admite que ele é um dos grandes pensadores brasileiros do presente. Falo de Eduardo Viveiros de Castro, ao mesmo tempo antropólogo de contribuição absolutamente original e ativista das causas indígenas, ambientais e libertárias e que fez um movimento interessante nos últimos anos: o de estabelecer um forte diálogo fora do ambiente acadêmico, usando especialmente as redes sociais. Nas palavras de ninguém menos do que Claude Lévi-Strauss, Eduardo é "fundador de uma nova escola na antropologia" e o tom de sua crítica sistêmica é evidente ao afirmar peremptoriamente que “a escravidão venceu no Brasil; nunca foi abolida” e que “o capitalismo sustentável é uma contradição em seus termos”. Com as temáticas indígena e climática se tornando cada vez mais uma coisa só e ambos habitando o ambiente virtual (eu mesmo já havia iniciado uma incursão via tweeter, antes mesmo de me decidir por criar este blog e a nossa página no Facebook), o encontro, primeiro virtual, depois real, era uma questão de tempo. Mentor ao lado de Déborah Danowski do interessantíssimo "Os Mil Nomes de Gaia", em que se conseguiu reunir pessoas de áreas tão diversas quanto Climatologia e Sociologia, Antropologia e Agronomia, para mim é uma honra contar com uma muito oportuna publicação do Eduardo aqui em nosso blog, sobre o negacionismo climático. Com a palavra, o xamã:
Quem increpa de "aquecimentistas" os cientistas do clima (e a opinião pública que os leva a sério) que estão na origem da massa crescente de observações empíricas e projeções matemáticas sobre os processos de transformação antrópica do sistema Terra, introduz subrepticiamente, com este rótulo, a sugestão de que se trata de gente que ~deseja~ que o planeta aqueça; que não só "acha" que ele está aquecendo, mas que acha isso ótimo. Não, não é verdade que eles achem isso ótimo... Eles acham isso péssimo, catastrófico; e uma boa parte deles entende que tais processos só serão desacelerados, e seus efeitos mitigados, se sobrevierem mudanças radicais no dispositivo tecno-industrial e na axiomática teológica do capitalismo. Na mesma direção, "catastrofista" é um termo que a direita, ajudada por seus inocentes inúteis de "esquerda", utiliza para insinuar que quem afirma estarmos diante de uma catástrofe planetária está torcendo pela catástrofe, e portanto ou é um maluco apocalíptico, ou é um espertalhão que pretende convencer a plebe de que tal catástrofe é iminente (não, ela não é "iminente", ela já está acontecendo) e assim descolar uma graninha com essa patranha. Não, não é verdade que aqueles que falam em catástrofe sejam "a favor" da catástrofe... Exceto no sentido de que eles entendem que estamos diante de processos para os quais o adjetivo "catastrófico" está em vias de se transformar em um delicado eufemismo, e que é preciso agir para interromper tais processos, mitigá-los, e revertê-los na estreita medida do ainda possível.
E existem enfim os que chamarei de indiferentistas, posição compreensível quando se trata da população "em geral", cujo acesso à informação é restringido de todas as maneiras possíveis — mas a ficha vai acabar caindo, como já está caindo agora, quando (um exemplo entre centenas) a água começa a não cair mais do céu e as torneiras secam —, mas posição absolutamente inadmissível quando se trata de universitários, de estudiosos das ciências relacionadas ao sistema Terra, ou simplesmente de gente em condições de compreender a literatura especializada — senão no detalhe técnico fino, ao menos por ter a capacidade cultural e intelectual de sopesar os critérios de legitimação dos discursos científicos em circulação. Os indiferentistas estão muito próximos em espírito dos negacionistas, pois compartilham da mesma opção pela inação, da mesma adesão ao status quo. Estão do mesmo lado que estes na guerra pela Terra. Do lado da Exxon, da Shell, da BP, da Monsanto, da Bayer, da Nestlé, da Vale, da Odebrecht e da Camargo Corrêa.
Quem increpa de "aquecimentistas" os cientistas do clima (e a opinião pública que os leva a sério) que estão na origem da massa crescente de observações empíricas e projeções matemáticas sobre os processos de transformação antrópica do sistema Terra, introduz subrepticiamente, com este rótulo, a sugestão de que se trata de gente que ~deseja~ que o planeta aqueça; que não só "acha" que ele está aquecendo, mas que acha isso ótimo. Não, não é verdade que eles achem isso ótimo... Eles acham isso péssimo, catastrófico; e uma boa parte deles entende que tais processos só serão desacelerados, e seus efeitos mitigados, se sobrevierem mudanças radicais no dispositivo tecno-industrial e na axiomática teológica do capitalismo. Na mesma direção, "catastrofista" é um termo que a direita, ajudada por seus inocentes inúteis de "esquerda", utiliza para insinuar que quem afirma estarmos diante de uma catástrofe planetária está torcendo pela catástrofe, e portanto ou é um maluco apocalíptico, ou é um espertalhão que pretende convencer a plebe de que tal catástrofe é iminente (não, ela não é "iminente", ela já está acontecendo) e assim descolar uma graninha com essa patranha. Não, não é verdade que aqueles que falam em catástrofe sejam "a favor" da catástrofe... Exceto no sentido de que eles entendem que estamos diante de processos para os quais o adjetivo "catastrófico" está em vias de se transformar em um delicado eufemismo, e que é preciso agir para interromper tais processos, mitigá-los, e revertê-los na estreita medida do ainda possível.
Hoje em dia há pouca diferença entre o
que Viveiros chama de "indiferentismo"
e negacionismo envergonhado. Em co-
mum, a "opção pela inação"
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