quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Da Pedalada à Falsa Ambição, o Vexame Brasileiro na COP26

Concentrações de gases de efeito estufa batendo recordes, uma lacuna gigante entre o corte necessário nas emissões e as promessas dos países. Diante de quadro tão grave, todos os países se dispuseram a contribuir com NDCs mais ambiciosas, com metas mais ousadas de redução das emissões, certo? Hmmm... não! Houve países que conseguiram a proeza de apresentar NDCs iguais ou piores às que apresentado antes! O artigo de hoje vai focar sobre o triste comportamento de um certo país que chegou à COP26 ultrapassando todos os limites da palavra "vexame".

Desacoplamento às avessas

Existe uma fortíssima correlação entre crescimento econômico e emissões de carbono (uma expansão da economia em geral implica maior consumo de energia, o que leva ao uso de mais combustíveis fósseis). Economistas e políticos de diferentes matizes ideológicos sonham há anos com a quebra dessa correlação, o chamado "desacoplamento".

No auge dos impactos da pandemia de Covid-19, o mundo permaneceu "acoplado", com queda no PIB global de 3,1% acompanhada de queda nas emissões em 6,4%. 

Já o Brasil inventou o desacoplamento às avessas: com a economia em frangalhos em função não apenas da pandemia, mas também de uma gestão calamitosa da crise sanitária e de uma política econômica não menos desastrosa, viu seu PIB despencar 4,1% em 2020, ao mesmo tempo em que as emissões de gases de efeito estufa subiram impressionantes 9,5%.

Os dados, anunciados pelo SEEG anunciados há poucos dias, não deixam dúvidas do tamanho do desastre. Foram 2,16 bilhões de toneladas de CO₂-equivalente contra 1,97 bilhões em 2020. Esse aumento se dá basicamente pelo aumento do desmatamento, com a queda nas emissões do setor de energia tendo sido basicamente canceladas pelo ligeiro aumento das emissões de metano e óxido nitroso da agropecuária e das emissões de resíduos. 

O resumo é que quase 3/4 das emissões brasileiras são, hoje, associadas ao agronegócio e que, com a terrível parceria entre o agro, um governo federal ecocida e um parlamento tenebroso, retornamos ao patamar de emissões de 2006, ou seja, retrocedemos 15 anos em dois

Brasil é destaque no mapa da vergonha


Fácil identificar o Brasil no mapa da vergonha aí em cima, reproduzido a partir do Emissions Gap Report 2021 (o relatório sobre a lacuna de emissões)... Mas quando se avalia o impacto dessas mudanças nas NDCs nas emissões de 2030, a conclusão é que a famosa "pedalada climática" do Brasil produziu, disparadamente, o pior impacto entre todos os países do mundo. Não à toa, o (des)governo tem corrido, de forma atabalhoada, nos últimos dias, para encobrir ou diminuir o disparate.

Como amplamente divulgado, a "pedalada" brasileira se deu mantendo os percentuais de redução nas emissões, só que aplicado a um valor de base (total de emissões de 2005) que havia sido reavaliado para cima, de 2,1 bilhões para 2,8 bilhões de toneladas de CO₂-equivalente. Daí, a aritmética da vergonha entrou em cena: mantendo o percentual de redução em 43% das emissões, só que aplicado a um valor de base 700 milhões de toneladas maior, o Brasil simplesmente autorizou a si mesmo a emitir 300 milhões de toneladas a mais, em 2030, do que o previsto no compromisso assumido em Paris, em 2015. Acontece que ninguém caiu na pegadinha, como bem mostrou o Emissions Gap Report


A pegadinha continua

Depois de tamanho vexame, o governo brasileiro quis remendar, anunciando um suposto aumento na meta de redução de emissões de gases de efeito estufa. Algo para escocês ver. O problema, de novo, é que nenhum governo é capaz de burlar a aritmética, tampouco enganar a atmosfera com contabilidade criativa.

Ora, 50% aplicados ao patamar revisado de emissões de 2005 (2,8 bilhões de toneladas de CO₂-equivalente) significa continuar emitindo 1,4 bilhões em 2030. A promessa anterior, de cortar 43% de 2,1 bilhões de toneladas, nos deixaria com 1,2 bilhões. A meta "mais ambiciosa" nos deixa, portanto, acima dos valores com os quais o Brasil se comprometeu em Paris, em 2015

Vai e vem da política (anti)climática do (des)governo brasileiro

Ainda há uma série de dúvidas e incertezas relacionados à concretização dessa meta, tanto quanto ao método de cálculo quanto ao patamar de referência que poderia ser, no limite, escolhido arbitrariamente (pasmem!) pelo presidente da república. E aí, mesmo que houvesse qualquer réstia de sobriedade nessa patacoada, entra a questão da credibilidade... 

Para reduzir emissões, é preciso dar um basta ao "governo" anticlima!

Brasil na COP26: "CNI acima de tudo,
CNA acima de todos". Foto: Fernanda Carvalho
Ninguém em sã consciência é ingênuo ao ponto de achar que será respeitado qualquer compromisso climático por parte de um governo que incentivou o "Dia do Fogo" e desmonta cotidianamente o arcabouço protetivo do meio-ambiente em nosso país. Ninguém em sã consciência pode conceder um mísero centavo de crédito a promessas feitas por um governo que ataca povos indígenas, aliando-se a madeireiras, garimpo e, óbvio, ao agro (que, no espaço oficial da COP26, parecia algo completamente misturado ao próprio governo). Ninguém com um mínimo de informação e boa fé pode esperar qualquer coisa de positivo de um governo que ataca ciência, monitoramento e fiscalização ambiental, tratando como inimigos órgãos do próprio Estado incluindo INPE, IBAMA, ICMBio e tantos outros.

Se na COP26 as fagulhas restantes de esperança permanecem acesas bem mais do lado de fora (com juventude e povos originários liderando as mobilizações) do que do lado de dentro (com a contaminação da maquiagem "verde"/greenwashing, do lobby corporativo e das promessas vazias de governos), no Brasil a verdade é ainda mais crua. Por estas bandas, o compromisso climático sério que se pode assumir terá de vir do povo e começa, evidentemente, por defenestrar Bolsonaro e sua gangue ecocida do poder o quanto antes.

Em tempo

O texto já estava pronto quando, ao contrário do que alguns poderiam pensar, o desgoverno brasileiro ampliou ainda mais o vexame!

Primeiro, merecidamente ganhou bis no antiprêmio "Fóssil do Dia", uma indicação para os países que mais representam obstáculos aos avanços climáticos nas COPs. Se no dia 05/11 o Brasil já havia sido "premiado" pelo tratamento inaceitável que o "governo" havia dado aos representantes indígenas presentes na COP26, no dia 10/11, o "reconhecimento" do papel bizarro ora cumprido por nosso país ficou por conta da frase bizarra do ministro do 1/2 ambiente, Joaquim Leite, que associou as florestas à "pobreza"...

Segundo, após ter feito alarde em cima da tal "nova meta" de 50%, verificou-se que a carta-adendo, disponível no site da Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança Climática (UNFCCC, da sigla em inglês), não faz menção nenhuma a essa promessa. Pelo contrário, apenas afirma de maneira genérica a possibilidade futura de um "objetivo mais ambicioso" num "momento apropriado". Vergonha à décima potência, pois, em meio à Emergência Climática, o momento mais apropriado para metas ambiciosas de redução das emissões é hoje, já, agora.

3 comentários:

  1. Professor, encontrei no portal "Participa+Brasil" a seguinte minuta de projeto de lei, até este momento com apenas um comentário. Segue o link: https://www.gov.br/participamaisbrasil/consulta-publica-pnmc

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  2. Sinceramente, usar esse espaço para fazer proselitismo político é lamentável!
    E mais lamentável ainda é que isso fortalece o discurso internacional de intervenção na Amazônia com o falso pretexto de preservação ambiental!
    EUA e Europa são predadores e cresceram baseados na exploração de outras nações: se estivessem preocupados realmente com o meio ambiente abririam mão de seu estilo de vida e assumiriam metas muito mais ousadas de redução de emissões!
    Vergonhoso sua posição contra nosso país, nosso povo e contra o segmento econômico que tem sustentado os superávits de nossa balança comercial por décadas!
    Se houve uma revisão nas metas de emissões é porque o acordado em 2015 era inexequível e prejudicial ao futuro de nosso país!
    Querem imputar ao Brasil uma responsabilidade muito maior que de fato temos nas emissões mundiais e simplesmente ignoram o fato que preservamos com vegetação nativa praticamente 2/3 do nosso território, sendo que mais de 20% estão dentro das propriedades rurais e o produtor não recebe um mísero centavo por isso!
    Usamos cerca de 8% do nosso território para agricultura, enquanto EUA cerca de 18% e a Europa cerca de 40%, e ainda precisamos ter metas mais desafiadoras de redução de emissões?
    Dos 400ppm de CO2 hoje na atmosfera quantos % são de nossa responsabilidade?
    Use seu conhecimento para defender o país que nasceu, seu povo, sua cultura: o Brasil deve estar acima de qualquer proselitismo político!

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  3. Mn, esse seu papinho tá muito de "se fulano pode roubar eu tbm posso"...
    Cara, se liga, o mundo tá aquecendo, vc acha mesmo que a natureza vai ser justa e ver com quem tá poluindo mais ou quem tá poluindo menos, para tu vires com esse discursinho pseudomoralista. Todos os países estão sendo afetados pelas mudanças climáticas, e ainda mais os países de terceiro mundo. A questão climática é um dever global, entretanto isso não nos impede de jogar um shade no pessoal q mais poluí, mas não esquecendo a responsabilidade que temos em aumentar esse carbono que tá aí.
    Agora falando sinceramente, esse seu discurso já está ultrapassado, sério, uns 20 anos de atraso (sendo modesta). Oras, se manque, no penúltimo paragrafo do artigo, você viu que não é certo associar floresta à "pobreza", e aí afirma exatamente isso... Poxa, se vc afirma isso tá jogando fora todo o conhecimento que temos sobre desenvolvimento sustentável fora. TODO MUNDO SABE QUE A FLORESTA EM PÉ VALE MAIS DO QUE DERRUBADA, O QUE VC Ñ ENTENDE NISSO!
    Aí que preguiça disso viu... Nada de novo sobre o sol, todo dia os mesmos argumentos, vcs não sabem inovar não. Bora elevar esse discurso aí meo! Umas crítica ao seu argumento: ele está pobre, cheio falácias e de informações retiradas de contexto. Essas simplificações da sua narrativa é típica de neófitos no assunto climático. Melhore!
    Um dia, eu já pensei assim como vc... A revolta eh grande né menini? Todavia, conforme vc vai lendo mais coisas sobre essa questão, menos dessa incertezas vão ficando e mais soluções eficientes vão surgindo... Contudo, o q ñ pode eh parar em um discurso, tem q continuar estudando, porque (assim como todo na ciência) a questão climática tbm tem seus upgrades ao longo do tempo.
    Perdão explodir desse jeito, eh que eu tbm sou patriota, e ver discurso defendendo a autodestruição do ambiente brasileiro me dá um troço :'y

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