quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Fulano, cara... para de fumar!



Fulano não está se sentindo bem, com sintomas de cansaço, pressão alta, etc. Vai a um médico e este diz: "Você está com problemas respiratórios e cardíacos. Você fuma?" Ao receber a confirmação, o médico, ainda cauteloso, faz alguns exames e conclui: "Provavelmente a causa desses problemas é o cigarro, mas ainda são reversíveis. Basta que você pare de fumar."

Não satisfeito, Fulano procura outro médico, e outro, e mais outro. A ampla maioria dos médicos afirma a mesma coisa, isto é, que é "extremamente provável" (alguns dizem, é "praticamente certo") que o problema esteja ficando sério e que a maneira mais segura de se preservar para males ainda piores seria parar de fumar.

Nem todo câncer de pulmão é causado por
cigarro e nem todo fumante contrai câncer
de pulmão. Mas essas obviedades negam a
existência de uma relação causal entre tabaco
e câncer, quando se conhecem inclusive as
substâncias e mecanismos? Justificaria não
parar de fumar, nem que fosse por
precaução?  
Entre ainda em dúvida e um tanto inconformado com ter de parar com o vício, a figura conclama a
composição de uma junta médica. Essa junta debate entre si, faz levantamento da literatura a respeito do assunto, troca dados e informações, checa novos exames e conclui claramente que não há outra razão possível para os referidos problemas cárdio-respiratórios - agora mais evidentes do que antes - que não o cigarro. A junta faz não apenas uma, mas várias reuniões, sempre diante de exames mais recentes e dados novos, que evidenciam que o estado do paciente só tende a piorar e a resposta é sempre a mesma ("Você tem de parar de fumar!"). Uma consulta feita entre os outros médicos especialistas atesta ainda que 97% concorda com o que a Junta afirmou.

Claro que ao aventar, após tanta teimosia, largar o vício pelo tabaco, Fulano incomodou alguns, particularmente o dono do estabelecimento comercial de onde era freguês assíduo e onde, por muitos anos, vinha comprando seus maços de cigarro, em quantidades cada vez maiores! Não querendo perder a fonte de dinheiro, a solução é acionar um amigo médico de "pouca ética" (sendo bastante eufemista) para "colar" no freguês e tentar dissuadi-lo da idéia de mudar seu estilo de vida.

Quando os médicos dizem "pare de
fumar e comece a fazer exercícios",
você acredita que isso faz parte de uma
"conspiração global" deles com as
academias de ginástica?
Usando do jargão "do ramo", distorcendo fatos, citando exemplos que nem de longe seriam análogos apropriados, mas sobretudo difamando os demais colegas médicos, esse personagem põe Fulano em dúvida. Fulano precisava ser "cético" afinal... Os filhos de Fulano, que já são fumantes indiretos, poderiam muito bem até fumar mais do que ele. Estaria tudo bem mesmo! Além disso, ora bolas, Cicrano morreu de um derrame e nem era fumante. "Se a causa do derrame em Cicrano não poderia ter sido o fumo, como este haveria de trazer algum malefício a você, Fulano, afinal de contas?"

Pouco importava que o tal médico pilantra, que fazia aquilo por um misto de prazer sádico e pelos trocados do comerciante, não tivesse um currículo bom. Pouco importava que ele nunca tenha tido uma carreira de grandes méritos na Medicina. Ele dizia o que o paciente queria ouvir, isto é, que estava tudo bem (ainda que o colesterol estivesse alto e que os episódios de pressão alta estivessem ficando cada vez mais frequentes e intensos); que não precisaria abrir mão dos prazeres do tabagismo! Fulano já estava acreditando até que 97% dos médicos (principalmente os da Junta que o examinava constantemente) tinham algum tipo de conluio com o dono da academia de ginástica (que dizia que ele Fulano iria se viciar em esteira e que nem sentiria falta do cigarrinho), ou quem sabe com o vendedor de bicicletas! Claro, era uma conspiração, da qual participaria também aquela vizinha que dizia que se ele parasse de fumar, desapareceria aquele cheiro de fumaça de cigarro e até os dentes e as unhas não ficariam feios e amarelados... "Bobagem a pessoa se preocupar com esse tipo de detalhe, não?", pensava Fulano. "Estético-chata", resmungava...

Sim, o cigarro é prejudicial e o alerta a esse respeito precisava
ser lançado pelos cientistas e médicos que sabiam disso. Foram
tachados de "alarmistas" e difamados por serviçais da indústria
tabagista. No entanto, esta é um nada na frente da gigantesca
indústria de combustíveis fósseis, em particular as petroquímicas.
O que esperar se não um ataque mais vil, mais malicioso e melhor
articulado destas contra a Ciência do Clima?
O médico pilantra contava com um parceiro, que nem médico era, mas punha um jaleco e ia atrás de Fulano como se fosse do ramo. O dono do carro de som insistia que "era necessário ouvir os dois lados" e sempre garantia um bom tempo para este novo personagem e o médico pilantra. Estes insistiam que a radiografia do pulmão tinha sido forjada, que para iniciar uma rotina de exercícios e parar de fumar, Fulano precisava ter "certeza absoluta" de que realmente era o cigarro a causa dos malefícios e que os gastos extras com a mensalidade da bicicleta ergométrica iriam inviabilizar seu orçamento. Afinal, se realmente no futuro viesse a ficar "totalmente clara" a relação entre o vício do fumo e os problemas cada vez mais evidentes de Fulano (O que seria necessário? Um infarto agudo do miocárdio? Um derrame cerebral? Um enfisema pulmonar?), a medicina estará tão avançada, com drogas pesadas que deixarão Fulano novinho em folha.

Sim, Fulano é um tolo, mas sobretudo um teimoso. Adora o autoengano e é por isso que aceita tão facilmente todo o besteirol dito pelo médico pilantra e seu comparsa. Prefere acreditar que 97% dos médicos agem de má fé e que só querem que ele gaste mais dinheiro com consultas (sem perceber que, se aceitasse o diagnóstico óbvio e se tratasse, não precisaria fazer visitas médicas frequentes a não ser as de rotina).

O problema é que o Fulano é você. Ou melhor, Fulano somos todos nós. Fulano é uma humanidade que prefere permanecer mergulhada na ignorância e reverberar nonsense, negando um risco tão evidente e tão bem conhecido por especialistas.

Acreditem. Já fui fumante passivo no
interior de uma aeronave. E a proibição
poderia e deveria ter surgido pelo menos
duas décadas antes do que se viu!
Acredito que seja desnecessário explicar cada uma das associações (a Junta Médica e o IPCC, as crises de pressão alta com eventos extremos já observados, o vendedor de cigarro com a indústria de combustíveis fósseis, etc.). Ironicamente e tristemente, medidas contra o tabaco (proibição de fumar em aeronaves, banimento da propaganda na TV, revistas, etc., restrições do fumo em lugares públicos como restaurantes e outros) foram postergados por décadas, mesmo a indústria tabagista conhecendo a realidade e já havendo consenso científico em torno da questão do vínculo entre fumo e câncer. Coletivamente, quantas vidas foram perdidas por que a indústria do tabaco, apostando no negacionismo, atacando a ciência e difamando cientistas, semeando dúvidas e reivindicando "espaço para os dois lados"?

Voltando à nossa analogia individual, porém, tenho certeza de que se você visse toda a situação de fora e se importasse apenas um pouquinho com Fulano (quiçá como uma civilização extraterrestre benevolente), você o aconselharia a tomar alguma atitude. Poderia lembrar que Beltrano, que mora na casa ao lado morreu de câncer causado pelo fumo (ok, neste caso, a analogia é parcial mas explícita a Vênus e seu efeito estufa devastador associado ao CO2, com a ressalva, claro de que lá o processo foi inteiramente natural). Poderia lembrar que trocar o hábito do fumo pela corridinha matinal ao final de contas seria trocar um prazer por outro, bem mais saudável, com um monte de co-benefícios... Poderia ponderar que não tem sentido ele acreditar que 97% dos médicos se comporte com má fé e que é mais fácil que uma minoria descredenciada aja assim. Mas se você realmente se importa com Fulano (e com os filhos do Fulano), enfim, diria, nem que fosse necessário dar-lhe um tapa na cara para que ele acordasse... "Fulano, cara... para de fumar!".

Um comentário:

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