Trump como meteoro. Fonte: Der Spiegel |
Embora extremamente insuficiente
e limitado nos mecanismos de proteção do sistema climático, o acordo
celebrado em 2015, na COP21 em Paris, reconhecia claramente a necessidade de
limitar o aquecimento global e contou com a pronta adesão de quase todos os
países-membros da ONU. Síria e Nicarágua eram, até esta quinta-feira 1o
de Junho de 2017 os únicos países fora do tratado. A Síria, presa em um quadro de caos, guerra, devastação e migração. A Nicarágua, vejam só, por considerar o Acordo fraco demais, impróprio no sentido de não atribuir responsabilidades proporcionais entre países ricos e pobres, e tendo ela promovido medidas de mitigação bem antes da COP21. A novidade: bombardeada
pelos EUA logo no inicio da desastrosa gestão de Donald Trump, a Síria agora
recebe a companhia do algoz.
Não é surpresa. Desde bem antes da campanha eleitoral, Trump
insiste no negacionismo climático. Pelo twitter,
ele já havia decretado que o aquecimento global seria “uma farsa inventada
pelos chineses” para prejudicar a competitividade da indústria dos EUA. O
anúncio da eleição do bilionário fanfarrão foi suficiente para fazer as ações
das companhias de carvão e petróleo decolarem
nas bolsas, assim como viriam a decolar mais tarde as ações das corporações
do setor bélico em abril, após Trump mandar despejar 59 mísseis Tomahawk
contra uma base aérea do país com que agora divide a infâmia de estar de fora
do Acordo de Paris.
Como antevimos,
a nomeação do famigerado negacionista Scott Pruitt, ex-procurador do estado de
Oklahoma que processou inúmeras vezes a EPA (Agência de Proteção Ambiental,
órgão federal) para dirigir a própria agência também já era um sinal dos
tempos.
Mas o desenho do desastre ficou mais nítido quando, conforme
denunciado
pelo periódico britânico The Guardian,
22 senadores republicanos apresentaram uma carta solicitando a Trump a retirada
do Acordo de Paris, reivindicação prontamente atendida. Dentre eles está o
inominável senador por Oklahoma (o que há de tão errado com esse estado,
pelamôrde??) James Inhofe que atirou
uma bola de neve no chão do Senado para comprovar de uma vez por todas que
o aquecimento global não existe...
Óbvio, o importante mesmo é saber que esse time de
“representantes do povo” recebeu mais de 10 milhões de dólares de companhias de
petróleo, gás e carvão para suas campanhas eleitorais, com destaque para os U$
2,57 milhões para Ted Cruz (o mesmo que chegou a ensaiar concorrer à
presidência, mas desistiu em maio de 2016 após ser engolido por Trump nas
prévias republicanas). Claro, vocês não pensavam que é só no Brasil que
corporações como a Friboi e a Odebrecht compram políticos para fazer valer seus
interesses, não é?
O anúncio da retirada dos EUA do Acordo de Paris se deu por
meio de um discurso breve do Nero Laranja, antecedido, numa breve introdução,
por seu vice-presidente Mike Pence e seguido de uma fala de pura bajulação do
próprio Scott Pruitt. Trump juntou boa parte do amálgama reacionário que serviu
de base para a narrativa de sua campanha, com nacionalismo, xenofobia e
negacionismo climático combinados. Apelou para os jargões da “América grande”,
da “América primeiro” e carregou no discurso dos “empregos”. Chegou cinicamente
a citar os trabalhadores das insalubres minas de carvão (quando sua verdadeira
saudação se dirigia aos altos executivos e grandes acionistas das corporações
do setor, óbvio).
Iletrado e desonesto no que diz respeito à Ciência do Clima,
Trump, em tom de bravata, minimizou o efeito do cumprimento das metas do Acordo
de Paris: “mesmo que o Acordo seja implementado completamente, estima-se que
ele levaria a uma redução de temperatura de dois décimos de grau em 2100, muito
muito pequena”. Chega a ser impressionante que mesmo um canalha notório como
Trump seja capaz de sacar do bolso números assim que em nada condizem com a
realidade. Os cientistas do clima sabemos que um cenário de “business as usual”, ou seja, sem
mitigação, conduziria a um aquecimento de 3,2°C
a 5,4°C na média do período de 2081-2100 em comparação com o período de
referencia de 1850-1900. Como o Acordo de Paris pretende limitar o aquecimento
ao intervalo de 1,5°C-2°C, Estamos falando de uma diferença, de 1,2°C a 3,9°C.
Ou seja, não é apenas que Trump esteja errado. Ele mente ao ponto de subestimar
o impacto da mitigação da mudança climática por um fator de 6 a quase 20 vezes!
Uma das maiores falácias de Trump em seu discurso é quando
ele afirma que o Acordo de Paris seria “muito injusto” para com os EUA. Ora, se
nos dias atuais os EUA perderam o posto de maior emissor total para a China, as
emissões per capita norte-americanas ainda são mais do dobro das chinesas e,
mais importante, os EUA ainda são o
país que mais emitiu CO2 de 1850 para cá. O que chamamos de
“imperialismo” não apenas impôs seu domínio em terra sobre outros povos e
regiões como ocupou a atmosfera e tratou-a como sua lata de lixo particular. As
gigantescas emissões históricas não apenas dos EUA, mas também dos países
europeus estão evidentemente associadas ao seu desenvolvimento e acúmulo de
riqueza. E qualquer tratado internacional, a fim de que seja minimamente justo,
precisa reconhecer esse fato e colocar uma fatia bem maior do ônus de
financiamento, transferência de tecnologia e redução das emissões sobre os
países que tiveram o bônus da farra do carbono até aqui. Nesse sentido, o
Acordo de Paris não apenas não penaliza os EUA (ou, nas palavras de Trump,
“países ganhando vantagens financeiras sobre os EUA”) como está longe de
representar uma partilha justa de esforços, exatamente porque os grandes
emissores históricos precisariam arcar de fato com sua dívida climática.
Mas acreditem... houve um momento em que Trump soou quase
sincero, ao dizer que "o crescimento das renováveis poderia sustentar um crescimento
de 1% na economia dos EUA, mas para sustentar um crescimento de 4%, as demais
formas de energia [leia-se fósseis] são necessárias". Não que a conta
esteja rigorosamente correta. A economia poderia continuar expandindo (o que
obviamente induziria problemas ambientais de outras ordens) por um certo tempo,
reduzindo a intensidade de carbono da geração de energia (isto é, a quantidade
de CO2 emitida por unidade energética consumida), algo que vem
acontecendo nos EUA últimos anos. Mas a pitada de “honestidade” do discurso
está em colocar que, no fundo, no fundo, é o crescimento econômico - leia-se o
lucro das corporações - e não a segurança das futuras gerações, as cidades e
comunidades costeiras, a biodiversidade, os oceanos, enfim toda a vida do planeta,
que interessa para ele.
Nesse aspecto, a quase sinceridade de Trump expõe o nervo do
sistema e de toda a ideologia que se amolda a ele, sempre baseado na lógica do
crescimento econômico infinito, seja para fazer “a América grande outra vez”
seja como a única via enxergada para assegurar “desenvolvimento econômico com
distribuição de renda”, propulsionando a chamada inclusão via consumo das
maiorias sociais na estratégia de ganha-ganha que nunca se sustentou em nosso
país, por mais que haja ex-presidentes afirmando por aí que um dia houve um
Brasil “em
que cabia todo mundo”. Quando Temer comete o desplante celebrar o suposto “fim
da recessão”, quando economistas do campo da esquerda anunciam que “o
desenvolvimento econômico e social exige crescimento com distribuição de renda”
e que “distribuir renda em uma economia semiestagnada é politicamente inviável”
para
defender os governos de Lula e Dilma e até mesmo quando correntes de
esquerda ditas revolucionárias começam suas análises de conjuntura pelo PIB, no
fundo todos esses atores, por mais distintos que sejam entre si, trabalham
dentro do mesmo paradigma de crescimento ilimitado e mostram que residem todos
no mesmo mundo fantasioso da economia que “paira no ar”.
E é aí que outro paradigma precisa emergir. Não apenas para
combater Trump de frente (e também governos como os de Temer que, embora não
abracem a bizarrice do negacionismo climático, abrem as portas para o aumento
das emissões de gases de efeito estufa com as facilidades para o agronegócio e
a aceleração da privatização das reservas de petróleo e gás), mas também para
superar o lamentável produtivismo que grassa em meio à esquerda, mesmo a
combativa. É evidente que há ramos da economia que precisam se expandir para
garantir dignidade a toda e cada uma das pessoas humanas que habita este
planeta. O acesso ao saneamento e à água potável deve ser expandido e se
generalizar. Uma enorme revolução energética que assegure energia limpa,
descentralizada e socioambientalmente justa, é pré-condição para
salvaguardarmos alguma réstia de esperança em mantermos a estabilidade
climática. Saúde, educação, assistência e todas as formas de cuidado devem ser
elementos universais assim como arte, ciência e comunicação. Mas há que se
dizer em alto e bom tom que diversos setores da economia precisam encolher e
até desaparecer (da indústria bélica à de automóveis, dos combustíveis fósseis
às embalagens, da mineração à produção de agrotóxicos). E mais, que na soma geral,
o impacto da atividade produtiva humana sobre a biosfera terrestre precisa
diminuir dos níveis atuais para patamares sustentáveis, compatíveis com os
fluxos de sedimentos, nutrientes e energia e com os ciclos do carbono, da água, do nitrogênio
e do fósforo.
É inevitável aí não lembrar de Walter Benjamin ao pensar o
processo de transformação social revolucionária como acionar os freios de
emergência de um processo alucinado, destrutivo, de expansão capitalista. É
igualmente incontornável a atualização do dilema apresentado por Rosa
Luxemburgo para “Ecossocialismo ou Barbárie”. Trump, com seu negacionismo
arrogante é, claro, a própria expressão desta última.
Muito aclarador!
ResponderExcluirNossa. Como me sinto confortada em ler este texto! Sei que a indignação não é exclusividade minha, mas ver sua manifestação cheia de referências e opinião é sim inspirador, também. Amo as citações e o tom de conhecimento ciêntifico. Traz um suspiro de boas lembranças dá época boa da universidade. Obrigada pelas palavras!
ResponderExcluirAté o Arnold Schwarzenegger foi contra essa decisão irresponsável:
ResponderExcluirhttp://g1.globo.com/natureza/noticia/em-video-arnold-schwarzenegger-critica-decisao-de-trump-de-sair-do-acordo-de-paris.ghtml
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ResponderExcluirCaro colega, sou professor aposentado da UFRGS do Instituto de Pesquisas Hidráulica, em 2006 ao assistir o documentário An Inconvenient Truth fiquei vivamente preocupado com o possível dano que a queima de combustíveis fósseis poderiam trazer ao planeta, e o pior, quanto eu como um pesquisador que trabalhava para a indústria do petróleo estava contribuindo a este imenso problema.
ResponderExcluirDaquela época em diante passei a me interessar sobre clima principalmente porque como trabalhava em depósitos turbidíticos tinha necessidade de estudar o paleoclima que gerava as correntes de densidade que se acumulavam no fundo dos oceanos.
Até 2009 continuei uma extenuante pesquisa, principalmente na área acima referida que com ela modificou por completo a minha noção de clima e de que possa ser uma mudança climática. Da mesma forma que fazes atualmente de 2010 a 2013 mantive um blog sobre clima e diversos assuntos correlatos, sendo que na grande maioria dos artigos que escrevia baseava-me em publicações peer review de revistas de primeira linha.
A cada momento que mais me aprofundava no assunto mais crescia uma grande certeza, a ciência do clima não tem uma só afirmação absoluta e como toda a ciência segue o princípio da verificabilidade de Karl Popper, que mostra que na realidade ela é uma ciência e não uma religião. Por exemplo, citas com muita propriedade no vídeo que colocas na rede a regressão dos glaciais, porém, como sempre um porém se analisarmos historicamente geleiras bem conhecidas há mais de 500 anos, como o Mer de Glace, há uma interessante tese de Patrizia Imhof denominada “Glacier fluctuations in the Italian Mont Blanc massif from the Little Ice Age until the presente” que mostra o estado desta geleira desde o século XVII até os nossos dias. É interessante notar que antes de 1600 esta geleira apresentava um volume aproximadamente igual ao atual, aumentou por uns cinquenta anos, manteve-se mais ou menos estável e começa de novo a perder massa em 1850, ou seja, durante a pequena idade do gelo houve um aumento natural do seu volume e começa a cair violentamente por poucas décadas para retornar a cair nos últimos 60 anos.
O que estou tentando mostrar que considerarmos 100 anos para caracterizarmos uma mudança antropogênica do clima é altamente perigoso, pois podemos estar captando oscilações naturais deste.
Também ainda falando em gelo fiquei vivamente impressionado com o trabalho de Petit J.R. et al. 1999 Climate and atmospheric history of the past 420,000 years from the Vostok ice core, Antarctica ou de Barker, Stephen et al., 2011 800,000 Years of Abrupt Climate Variability, em que mostra claramente no primeiro artigo que estamos longe de um fato inédito no clima da Terra e no segundo que o efeito do chamado balanço bipolar entre norte e sul pode mostrar que o que sucede no hemisfério norte não precisa ser diretamente vinculado o que ocorre no hemisfério sul, principalmente de a grande corrente transportadora for interrompida e com isto as temperaturas do norte caiam em mais de 10ºC enquanto o Sul se aqueça.
Pulando um pouco de assunto, se recuperarmos os dados dos marégrafos nos últimos 300 anos, descontando os efeitos da geoestasia nas zonas próximas aos polos, veremos que nestes 150 anos há uma irritante conservação da taxa de aumento dos níveis dos mares, que não modifica em intensidade neste período de 150 anos, isto pode ser visto em Jevrejeva et al, 2008. Global Mean Sea Level Reconstruction since 1700 (http://www.psmsl.org/products/reconstructions/jevrejevaetal2008.php) .
Em 2013 desisti de seguir no meu Blog pois vi que deveria fazer uma profissão de fé ideológica, que incluiria uma estranha e bizarra necessidade de posição política para seguir adiante, e quando ciência, política e religião se misturam uma coisa é certa, desculpe o termo, dá merda. Logo desisti de publicar coisas e agora, graças o Temer não ter chegado antes, já estou aposentado e feliz. Boa sorte!