domingo, 23 de agosto de 2015

Lutamos pelo Clima! Lutamos pelo Futuro!

Juventude disposta a lutar em defesa do clima e do futuro
Os últimos dias foram muito intensos para mim no que diz respeito ao debate climático junto à sociedade. Na quarta-feira, 19/08, estava dialogando com a juventude da periferia sobre "Clima e Água", no Liceu de Messejana, em atividade do Coletivo Socioambiental (constituído de moradores/as dos bairros do Jangurussu e Palmeiras e arredores, aqui em Fortaleza). No dia seguinte, foi a vez das companheiras e dos companheiros do MST, com quem discuti mudanças climáticas e seus impactos no semi-árido, seca, crise hídrica e modelo de desenvolvimento. Ainda na quinta-feira (20/08), tive a oportunidade de falar na Rádio OPovo, ao lado dos colegas de academia Prof. Aécio de Oliveira (Economia Ecológica/UFC) e Jeovah Meireles (Geografia/UFC), numa prévia do excelente debate que travamos dois dias depois.

No Liceu de Messejana, falando sobre
"Clima e Água"
Na sexta-feira (21/08), defesa de dissertação do 18º mestre que formo, o querido e competente Sullyandro Guimarães. Os resultados da dissertação são impactantes. A aridez (medida por um Índice correspondente à razão entre precipitação e evapotranspiração potencial) tende a se ampliar no Nordeste com as mudanças globais, conforme apontado por 80% dos modelos do CMIP5, com expectativa média de aumento de 6% da área total do semiárido e de quadruplicação das áreas já consideradas áridas (em desertificação). Um dos modelos (apesar de, como caso extremo, ter de ser olhado de forma bastante cautelosa) chega a sugerir a possibilidade do surgimento de um deserto com 8% da área do Ceará no final do século no cenário de maiores emissões, mas mesmo a projeção média já deveria soar o alarme junto aos/às tomadores/as de decisão.  

No sábado (22/08), tivemos o excelente I Seminário do Ceará no Clima, articulação de ambientalistas, acadêmicos, juventude, indígenas e diversos segmentos. Para se ter uma ideia da representatividade, se fizeram presentes pessoas da Engajamundo, Verdeluz, Coletivo Agroflorestar, RUA-Juventude Anticapitalista, Coletivo Socioambiental, Movimento Pró-Parque, representantes dos povos indígenas Pitaguary e Anacé e dos mandatos de alguns parlamentares (pessoalmente, os vereadores João Alfredo, PSOL-CE, e Deodato Ramalho, PT-CE e, representado por sua assessoria, o mandato do deputado estadual Renato Roseno, PSOL-CE). Por sinal, o texto que segue foi elaborado por mim como saudação ao Seminário. E por fim, na manhã de hoje, estivemos em debate sobre a Encíclica Papal Laudato Sí, em promoção da Adital e Pró-Parque. 

Ao meu ver, toda essa movimentação não pode ser desprezada. As mudanças climáticas vão entrando na pauta de discussão (na esteira da entrada em cena de atores de muito peso, como o próprio Papa Francisco) e alguns segmentos da sociedade estão, pelo visto, realmente dispostos a despertar do torpor que prevalece e que deu uma sobrevida inaceitável à era dos combustíveis fósseis. Rumo a uma grande mobilização 29/11, com eles, lutamos...

Lutamos pelo Clima
Lutamos pelo Futuro

Saudação ao I Seminário do Fórum Ceará no Clima, em 22/08/2015       


O MST tem avançado no debate de Agroecologia. E, de fato,
precisa posicionar-se contra o produtivismo e o modo de pro-
dução baseado em grandes emissões de gases de efeito estufa.
As populações do campo, por meio de secas severas, ondas de
calor e chuvas extremas, é particularmente vulnerável diante
das mudanças climáticas.
2014 foi o ano mais quente de todo o registro histórico, iniciado em 1880. 2015 deverá bater esse recorde por uma ampla margem. Ao atingir 400 partes por milhão, a concentração de dióxido de carbono (CO2) mostra valores inéditos nos últimos 3 milhões de anos, reconstituindo a atmosfera de um tempo em que os mares eram pelo menos 6 metros mais elevados do que nos dias de hoje. A queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás natural) para geração de energia e no transporte, somada ao desmatamento são os principais fatores dessa escalada. Outros gases de efeito estufa, produzidos a partir de atividades agropecuárias, como o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O) também estão com concentrações muito acima daquelas observadas antes do advento da era industrial. Outros ainda, como os gases de refrigeração chamados de “halocarbonetos”, sequer existiam no ar do nosso planeta.

A atmosfera é uma delicada demão de verniz que recobre nosso mundo. Se um automóvel pudesse se deslocar diretamente para cima, respeitando limites de velocidade de qualquer autoestrada, em 15 minutos já teria passado por 95% da massa de ar que ela contém. Tênue, delgada e frágil é essa barreira reguladora que controla as trocas de energia entre o sistema Terra e o espaço. A presença em excesso de gases de efeito estufa nessa atmosfera faz com que uma quantidade de calor formidável fique aprisionada no planeta, o equivalente à energia liberada na explosão de 4 bombas de Hiroshima a cada segundo, quase 350 mil dessas bombas num único dia, mais de 120 milhões delas a cada ano.

Na conclusão do 18º trabalho de mestrado que oriento, o aluno
Sullyandro Guimarães mostra a tendência de maior aridização
do Nordeste Brasileiro diante das mudanças climáticas globais
(especialmente no cenário de maiores emissões).
A cada dia fica mais evidente que não existe questão mais urgente a ser tratada globalmente do que a crise climática. Cresce a fúria das supertempestades, como o Katrina, que vitimou mais de duas mil pessoas em New Orleans ao Haiyan, que matou mais de 6000 filipinos. Secas se tornam mais severas, castigando regiões em 4 continentes, incluindo nossos Nordeste e Sudeste. Ondas de calor se revelam cada vez mais mortíferas, como se viu este ano na Índia e Paquistão à Itália e outros países da Europa; do Irã e Iraque ao Japão. Incêndios têm devastado biomas em locais inesperados como o Alaska e a Sibéria. O degelo nas montanhas e dos mantos da Groenlândia e Antártica se acelera, e o gelo marinho do Ártico desaparece a olhos vistos, obrigando até mesmo uma revisão dos atlas escolares. As projeções apresentadas, por exemplo, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (o IPCC, ligado à ONU), têm-se mostrado, na verdade, subestimadas. A realidade é ainda mais grave e as alterações no clima e no ambiente global, mais rápidas.

Engana-se quem acha que a crise climática é uma questão que diz respeito “às elites”. Pelo contrário. Habitantes de países-ilha e de regiões semi-áridas, povos originários do Ártico à Amazônia, idosos e crianças pobres são os que pagam o preço mais elevado do aquecimento do sistema climático terrestre. Trazendo ameaças ao abastecimento de água, à produção de alimentos, aos modos de vida das comunidades tradicionais, às cidades litorâneas, é certo que as mudanças climáticas atingirão a todos em todo lugar, mas como num enorme Titanic com portões cerrados na terceira classe, a marca dos seus impactos é a marca da desigualdade.

Mesa do primeiro painel do Seminário do
"Ceará no Clima": eu e os colegas Jeovah
Meireles e Aécio Oliveira.
Na verdade, evitar o caos climático global é impossível sem que vários dos interesses econômicos mais poderosos sejam atingidos. Isto começa, obviamente, pela indústria de combustíveis fósseis, que inclui algumas das maiores e mais poderosas empresas do mundo, cuja movimentação financeira é maior do que a economia de muitos países (o faturamento da Shell, por exemplo, é comparável com o PIB da Noruega ou da Argentina) e que, segundo dados insuspeitos do FMI (levantados pelo periódico britânico “The Guardian”), recebe nada menos do que o equivalente a 18 trilhões de reais em subsídios por ano!

A conclusão a que se tem chegado, com base nos dados mais recentes do IPCC e da comunidade científica do clima é que nada menos do que 90% das reservas de carvão, petróleo e gás precisam permanecer no chão, para que tenhamos pelo menos 50% de chance de não ultrapassarmos um catastrófico aquecimento global de 2°C relativos ao período pré-industrial. Abandonar os combustíveis fósseis é urgente.

Mas além das petroquímicas e das termelétricas, as mudanças necessárias para resolver a crise climática também atingirão diversos setores, alguns com bastante peso na economia brasileira, como o agronegócio e a mineração.

Com tantos interesses em jogo, como acreditar que a saída esteja em negociações de gabinete, medidas de governos cujas eleições, em muitos casos, dependeram de acordos com esses mesmíssimos grupos econômicos ou com os bancos que possuem trilhões investidos neles? Após 20 “conferências das partes” (COPs), reuniões de cúpula entre os diversos países do mundo, o que se conseguiu? Na maior parte dos casos, apenas medidas irrelevantes, cosméticas, que apenas revelam o quanto esses governos se colocam de joelhos ante o lobby da indústria de combustíveis fósseis e outros grandes grupos econômicos. Apostar no “bom senso” e na “responsabilidade” de grandes empresas capitalistas (cujo lucro depende da possibilidade de continuarem poluindo o planeta e arruinando o clima global) e de governos (que ou são seus cúmplices ou são fracos no enfrentamento a seus interesses) só nos levará a um beco sem saída.

Intervindo em debate sobre a Laudato Sí, no Parque Rio
Branco, com excelente mesa com o Pe. Manfredo Oliveira
e a Profa. Maria do Céu (Geografia/UFC). Na plateia, o
Secretário do Meio-Ambiente do Ceará, Artur Bruno, e o
vereador João Afredo (foto).
Cientistas (incluindo ganhadores do Nobel) e líderes religiosos, como o Papa Francisco e o Dalai Lama perceberam isto e se tornaram vozes atuantes contra as mudanças climáticas e seus impactos mais perigosos. Mas o combate às mudanças climáticas precisa ser travado fundamentalmente na base da sociedade: não só pelos ativistas e militantes ambientalistas, mas por pequenos agricultores, indígenas e quilombolas, povos do mar e ribeirinhos, comunidades da periferia das metrópoles e das pequenas cidades do interior; por estudantes e pela juventude, por trabalhadores e trabalhadoras. Só um amplo movimento, nas ruas de todo o mundo, oferecerá a oportunidade de que a voz das maiorias seja ouvida. Precisamos de transformações profundas, revolucionárias, em nossa base produtiva e em nossos hábitos de consumo e isso jamais será efetivado como obra de poucos. A mobilização mundial, popular, pelo clima, programada para o dia 29 de Novembro deste ano, às vésperas da COP21 em Paris, certamente será um marco nesse sentido. Em todo lugar, precisamos construí-la!

A reivindicação do movimento mundial pelo clima pode ser resumida numa palavra: futuro. Lutamos pelo direito ao futuro. Para nós e os/as outros/as. Para os que ora são jovens e crianças. Para as crianças que ainda virão. Em oposição a um sistema econômico e político que impõe a lógica do "agora", do imediato, pensamos na perspectiva do porvir. Em contraposição a uma ideologia que reforça o descartável e o fútil, nossa batalha é pelo permanente e pelo essencial. Em negação à fissura pela posse, pelo lucro e pelo consumo, apostamos no comum e na partilha, no que é, de fato, maior!


É esse o contexto do Seminário do nosso Fórum Ceará no Clima, pequena semente desse movimento climático que germina! Bom trabalho a todas e todos!

Com as pessoas da linha de frente da organização do Seminário do "Ceará no Clima": Ghislain, Luana, Mariana e Vital (só faltou a Gabi...)

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