Ano passado, quase 400 mil pessoas marcharam nas ruas de Nova Iorque às vésperas de uma reunião da ONU, preparatória para a COP-20, que iria se realizar em Lima. Outras manifestações aconteceram em diversas outras cidades do mundo, da Europa à Austrália, da Ásia à América Latina. Foi uma evidência clara de que a luta contra as mudanças climáticas não é mais apenas o brado de meia dúzia de cientistas e ambientalistas contra um inimigo invisível e algo que não diga respeito à grande maioria da população. E como tudo indica que o "movimento climático" irá crescer, isto é algo que certamente vai incomodar as corporações ligadas direta ou indiretamente à extração e uso de combustíveis fósseis (petroquímicas, mineradoras empresas de energia, montadoras de automóveis e, claro, os bancos que as financiam) e responsáveis por outras emissões de gases de efeito estufa, como o agronegócio. Até porque é comum que a massificação das mobilizações tenha relação forte com a presença de indígenas, populações da zona costeira, atingidos por eventos extremos, a juventude e outros setores mais vulneráveis e impactados e, portanto, em conflito com tais segmentos do capital. Quem acha que a luta contra as mudanças climáticas é "coisa de pequeno-burguês" é porque nunca esteve com um agricultor do sertão que sabe o que significa mais calor e mais seca, ou com um indígena que percebe, já, o desequilíbrio do ambiente em sua volta, ou do jovem e o/a trabalhador/a da cidade pequena que já sofre com desabastecimento de água, ou com o pescador que teve sua pequena casa destruída pelo avanço do mar ou com a marisqueira que não consegue mais apanhar o marisco que lhe dava sustento.
Quero destacar, na construção desse movimento, o seu caráter eminentemente internacional, planetário, e ao mesmo tempo aberto e horizontal, uma ampla avenida para debater que tipo de transformação social e política de fato precisamos. Abaixo, reproduzimos artigo de Ricken Patel, da Avaaz, publicado no periódico britânico "The Guardian", em que ele faz uma caracterização e convocação da "People's Climate March", que poderíamos traduzir como "Marcha Popular do Clima" ou "Marcha do Povo pelo Clima".
Quero destacar, na construção desse movimento, o seu caráter eminentemente internacional, planetário, e ao mesmo tempo aberto e horizontal, uma ampla avenida para debater que tipo de transformação social e política de fato precisamos. Abaixo, reproduzimos artigo de Ricken Patel, da Avaaz, publicado no periódico britânico "The Guardian", em que ele faz uma caracterização e convocação da "People's Climate March", que poderíamos traduzir como "Marcha Popular do Clima" ou "Marcha do Povo pelo Clima".
Tenho algumas diferenças significativas em relação ao que Patel expressa. Acho que na maior parte dos casos, por exemplo, é preciso ir abertamente contra os governos até mesmo para se estabelecer uma correlação de forças capaz de empurrá-los para metas mais ousadas de redução das emissões, algo que, seja por concepção ou por motivos táticos, ele omite. Além disso, é óbvio que as metas propostas por EUA e China estão, embora não as considere irrelevantes, muito aquém do necessário (visão corroborada por diversos cientistas, como Kevin Anderson, do Centro Tyndall e organizações como a Carbon Tracker) e para mim um questionamento mais explícito e direto do sistema capitalista e sua hegemonia política e econômica precisa ser feito.
Mas prefiro participar de um movimento vivo e aberto, dedicado à maior e mais urgente de todas as causas e que tem tudo para crescer e se aprofundar nas décadas vindouras do que vê-lo passar pela janela. Quem menospreza a necessidade de um movimento internacional e anticapitalista cuja mira é o coração energético do sistema e ignora a tão profunda necessidade de diálogo, em sua construção, entre o saber acadêmico e os saberes populares e tradicionais e enche a boca para se dizer "socialista", "de classe" ou "anticapitalista" dando de ombros para a mais urgente questão colocada globalmente e cuja não-solução capitalista ameaça degradar de maneira inédita as condições de vida de bilhões de pessoas no mundo inteiro, é porque, francamente, só consegue misturar arrogância, ignorância, insensibilidade e cinismo.
A Marcha do Povo pelo Clima vem aí. E que floresça como deve: unitária, aberta, horizontal, bela e poderosa. Brotando no asfalto seco do capital e do caos climático que ele engendra, ela há de espalhar união, como pólen, e alimentar esperança, como néctar.
Marcha Popular do Clima: a Revolução começa aqui
(por Ricken Patel, publicado no periódico britânico "The Guardian")
Criar um mundo movido a energia limpa para nos salvar da catástrofe climática é um desafio central do nosso tempo, e requer uma transição revolucionária nas nossas economias. Não podemos esperar por nossos líderes pela solução deste problema; a menos que sintam uma forte pressão pública, eles nunca irão longe o suficiente, ou rápido o suficiente. As revoluções começam com as pessoas, e não com políticos.
Para sobreviver no século 21, temos de descobrir o sentido de propósito comum que tem impulsionado mudanças revolucionárias através da história, a construção de um movimento de massa para ir além do que os nossos políticos acreditam que seja o possível. Temos de estar à frente, não seguir atrás, e arrastar os líderes conosco.
Nos anos que antecederam a 2014, com a diferença entre o que a ciência exige e o que nossos políticos fizeram tendo se alargado, um fatalismo começou a se espalhar em parte do movimento climático. Em seguida, um punhado de organizadores fez uma aposta importante no poder das pessoas - chamando a maior mobilização climática na história para mudar a dinâmica política.
E Uau! Isso funcionou. No ano passado, a Marcha Popular do Clima em setembro foi, sem qualquer dúvida, um divisor de águas. Quase 700.000 de nós tomaram as ruas, de longe a maior mobilização climática já realizada. As marchas foram esperançosas, positivas inclusive. Por incrível que pareça, ao redor do mundo, sequer uma única pessoa foi presa. Milhares de organizações, desde ativistas ambientais até grupos religiosos e sindicatos, reuniram-se, mostrando que a mudança climática não é mais uma questão dos 'verdes'; é um problema de todos agora.
O impacto sobre os políticos foi palpável. Dezenas de ministros de diferentes países terminaram se juntando à marcha, bem como o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Com o rugido da multidão a arrastá-los, vi em seus rostos a percepção de que eles estavam testemunhando a história. Na Cúpula das Nações Unidas no dia seguinte, um líder após o outro citou as marchas e sua intenção de ser mais ambicioso.
Nos meses que se seguiram, os especialistas disseram-nos que não havia nenhuma saída que não fosse a Europa adotar uma meta de redução de emissões de carbono "de pelo menos 40%" até 2030. Com uma campanha constante e a liderança de alguns desses ministros que participaram da marcha, isso foi feito. Em seguida, EUA e China apareceram com compromissos de emissões surpreendentemente fortes, com a China prometendo um pico em suas emissões até 2030 - um passo enorme. O impulso continuou, com um movimento de desinvestimento constrangendo a indústria de combustíveis fósseis, grandes corporações abraçando energia limpa e o Papa trazendo sua enorme credibilidade moral para apoiar a causa. E o movimento tem-se desenvolvido, com milhares de novas flores desabrochando, e um crescente ativismo de ação direta aumentando a urgência moral da questão.
A cúpula climática da ONU em Paris em dezembro será a maior cúpula do clima mundial desta década. Os estágios nacionais e globais trabalham em conjunto, seja arrastando o outro para cima em termos de ambição, seja numa espiral descendente. Devemos fazer de Paris um momento para dar o impulso e aumentá-lo. Uma poderosa forma de fazer isso seria o mundo inteiro, pela primeira vez, concordar com o objetivo de uma economia global descarbonizada, alimentada por energia limpa. Isso serviria como um sinal imediato para os que investem ao mesmo tempo em energia limpa e suja, em todos os lugares, para acelerarem a transição energética que já está em andamento.
A esperança está se ampliando, a iniciativa está conosco, mas nós já estivemos aqui antes. Desde a Cúpula da Terra em 1992 até o Protocolo de Quioto em 1997, o mundo avançou no passado, apenas para retroceder pela política tóxica do lobby de combustíveis fósseis, com sua ciência-lixo e negacionismo climático bem financiados. A cada momento, a diferença entre a ação que está sendo adotada e a ação necessária à nossa sobrevivência se alarga. Precisamos de um movimento que seja construído para durar, construído para vencer e continuar vencendo, ao longo de décadas por vir.
É por isso que, em 29 de novembro, um dia antes de os líderes mundiais convergirem em Paris, as pessoas vão se reunir novamente nas ruas para as uma Marcha Popular do Clima global - para quebrar o recorde do ano passado de maior mobilização mudança climática na história. Em milhares de cidades e vilas em todo o planeta, nós vamos nos reunir ou marchar pelas nossas comunidades e por aqueles já em risco pelas mudanças climáticas, pelo futuro dos nossos filhos e netos, e por um mundo mais seguro alimentado por energia limpa. Vamos mostrar aos políticos que este é um movimento que chegou para ficar e está crescendo rapidamente. E vamos inspirar outros a aderirem a este movimento aberto e sem porteiras, para o qual não há é preciso convite - todos são convidados, não só a participar, mas para organizar e liderar. Porque, para uma revolução climática que mude tudo, precisamos de todos.
A Marcha do Povo pelo Clima vem aí. E que floresça como deve: unitária, aberta, horizontal, bela e poderosa. Brotando no asfalto seco do capital e do caos climático que ele engendra, ela há de espalhar união, como pólen, e alimentar esperança, como néctar.
Marcha Popular do Clima: a Revolução começa aqui
(por Ricken Patel, publicado no periódico britânico "The Guardian")
Criar um mundo movido a energia limpa para nos salvar da catástrofe climática é um desafio central do nosso tempo, e requer uma transição revolucionária nas nossas economias. Não podemos esperar por nossos líderes pela solução deste problema; a menos que sintam uma forte pressão pública, eles nunca irão longe o suficiente, ou rápido o suficiente. As revoluções começam com as pessoas, e não com políticos.
Para sobreviver no século 21, temos de descobrir o sentido de propósito comum que tem impulsionado mudanças revolucionárias através da história, a construção de um movimento de massa para ir além do que os nossos políticos acreditam que seja o possível. Temos de estar à frente, não seguir atrás, e arrastar os líderes conosco.
Nos anos que antecederam a 2014, com a diferença entre o que a ciência exige e o que nossos políticos fizeram tendo se alargado, um fatalismo começou a se espalhar em parte do movimento climático. Em seguida, um punhado de organizadores fez uma aposta importante no poder das pessoas - chamando a maior mobilização climática na história para mudar a dinâmica política.
E Uau! Isso funcionou. No ano passado, a Marcha Popular do Clima em setembro foi, sem qualquer dúvida, um divisor de águas. Quase 700.000 de nós tomaram as ruas, de longe a maior mobilização climática já realizada. As marchas foram esperançosas, positivas inclusive. Por incrível que pareça, ao redor do mundo, sequer uma única pessoa foi presa. Milhares de organizações, desde ativistas ambientais até grupos religiosos e sindicatos, reuniram-se, mostrando que a mudança climática não é mais uma questão dos 'verdes'; é um problema de todos agora.
O impacto sobre os políticos foi palpável. Dezenas de ministros de diferentes países terminaram se juntando à marcha, bem como o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Com o rugido da multidão a arrastá-los, vi em seus rostos a percepção de que eles estavam testemunhando a história. Na Cúpula das Nações Unidas no dia seguinte, um líder após o outro citou as marchas e sua intenção de ser mais ambicioso.
O protagonismo de povos indígenas tem sido uma marca do movimento climático. Chega de CO2lonialismo! |
A cúpula climática da ONU em Paris em dezembro será a maior cúpula do clima mundial desta década. Os estágios nacionais e globais trabalham em conjunto, seja arrastando o outro para cima em termos de ambição, seja numa espiral descendente. Devemos fazer de Paris um momento para dar o impulso e aumentá-lo. Uma poderosa forma de fazer isso seria o mundo inteiro, pela primeira vez, concordar com o objetivo de uma economia global descarbonizada, alimentada por energia limpa. Isso serviria como um sinal imediato para os que investem ao mesmo tempo em energia limpa e suja, em todos os lugares, para acelerarem a transição energética que já está em andamento.
A esperança está se ampliando, a iniciativa está conosco, mas nós já estivemos aqui antes. Desde a Cúpula da Terra em 1992 até o Protocolo de Quioto em 1997, o mundo avançou no passado, apenas para retroceder pela política tóxica do lobby de combustíveis fósseis, com sua ciência-lixo e negacionismo climático bem financiados. A cada momento, a diferença entre a ação que está sendo adotada e a ação necessária à nossa sobrevivência se alarga. Precisamos de um movimento que seja construído para durar, construído para vencer e continuar vencendo, ao longo de décadas por vir.
"Caminhada por nossos/as netos/as. Deixe os com- bustíveis fósseis no chão" Justiça geracional: uma das mais belas facetas desse movimento tão vasto e diverso. |
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