Nosso blog traz uma publicação especialíssima! É a tradução, por meu amigo Alexandre Lacerda, desta publicação sobre o novo relatório do IPCC, cuja fonte é o excelente site realclimate.org, que conta com contribuições de cientistas de verdade como Gavin Schmidt, Michael Mann (a quem tenho o prazer de conhecer pessoalmente e que foi condecorado com a comenda Hans Oescheger pela European Geosciences Union (EGU), em Viena, em 2012) Raymond Bradley e outros. Espero que apreciem a leitura!
Chegou a hora: saiu o novo
relatório do IPCC! Após anos de trabalho por mais de 800 cientistas ao redor do
mundo, e depois de dias de extensa discussão no plenário da reunião do IPCC em
Estocolmo, o Summary
for Policymakers foi formalmente recebido às 5 da manhã, hoje. Parabéns a
todos os colegas que lá estiveram e trabalharam em turnos noite adentro. O
texto completo do relatório estará disponível online no início da próxima
semana. O Realclimate resume aqui as principais conclusões e mostra os gráficos
mais interessantes.
Aquecimento global
Agora tem-se ainda mais certeza
(maior que 95%) que a influência humana foi a causa dominante do
aquecimento observado desde meados do século XX. A variabilidade interna e as
forçantes naturais (por ex. o sol) tiveram contribuição virtualmente nula para
o aquecimento desde 1950 – a parcela destes fatores foi reduzida pelo IPCC a ± 0,1 ºC. A evolução medida da
temperatura é mostrada no gráfico abaixo.
Figura 1: A curva temperatura global medida, segundo
vários conjuntos de dados. Em cima: valores anuais.
Embaixo: valores médios por década.
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Observando-se estes dados dá para
ver imediatamente quão enganosa é a grande atenção da mídia às pequenas
variações de curto prazo ao final da curva. Estas variações sempre ocorreram, e
sempre ocorrerão. Elas são quase aleatórias, imprevisíveis (ao menos até
agora), e o IPCC nunca disse ser capaz de fazer predições para períodos curtos
de 10 a 15 anos, precisamente porque elas são dominadas por este tipo de
variação natural.
Os últimos 30 anos foram
provavelmente os mais quentes dos últimos 1.400 anos. Esta informação é
resultado de melhores dados de testemunhos climáticos. No 3º relatório do IPCC
podia-se apenas afirmar isso a respeito dos últimos 1.000 anos, e no 4º a
respeito dos últimos 1.300 anos.
O aquecimento futuro em 2100 –
considerando-se os mesmos cenários de emissões – são aproximadamente os
mesmos que no relatório anterior. Para o cenário de maior aquecimento, a
melhor estimativa para 2100 ainda é 4 ºC (gráfico abaixo).
O que é novo aqui é que o IPCC
também estudou os cenários de mitigação. O cenário RCP2.6 em azul representa
forte redução de emissões. Com este cenário o aquecimento global pode ser
detido abaixo dos 2 ºC.
Grande parte do aquecimento será irreversível:
do ponto em que emissões seriam diminuídas a zero, as temperaturas globais
permaneceriam quase constantes neste nível mais elevado ainda por séculos. (é
por isso que o problema do clima é um caso clássico do princípio da precaução)
Aumento do nível do mar
O nível do mar está se elevando
mais rápido agora do que nos últimos dois milênios, e esta elevação vai
continuar se acelerando – independente dos cenários de emissões, e até mesmo no
caso de intensa mitigação (devido à inércia do sistema). Os novos cenários do
IPCC para 2100 são mostrados no gráfico abaixo.
Figura 3: aumento do nível do mar até o ano de 2100, dependendo do cenário de emissões. |
Esta é, talvez, a maior mudança
em relação ao 4º relatório do IPCC: agora se projeta um aumento do nível do
mar muito mais rápido (28 a 98 cm até 2100). Isso é mais que 50% maior que
as projeções anteriores (19 a 59 cm) quando comparados os mesmos períodos e
cenários de emissões.
No caso de emissões não-mitigadas
(e não apenas para o cenário mais grave), o IPCC estima que no ano de 2300 o
nível do mar teria subido em 1 a 3 metros.
Nós já estamos observando um
provável aumento de frequência nas marés de tempestade (provável no sentido
adotado pelo IPCC, com segurança maior que 66%). No futuro, isso se tornará
muito provável (>90%).
Gelo continental e oceânico
Nas duas últimas décadas, os mantos de gelo da Groenlândia e
Antártica vêm perdendo massa, geleiras têm diminuído quase em todo o mundo,
e o gelo oceânico ártico, assim como a cobertura de neve de primavera no
hemisfério norte continuam a diminuir em extensão.
O manto de gelo da Groenlândia é menos estável do que era esperado no
relatório anterior. No período interglacial Riss-Würm (aquele há 120.000 anos,
anterior ao interglacial atual, quando as temperaturas globais estiveram de 1 a
2 ºC mais altas que hoje) o nível do mar estava de 5 a 10 m mais alto do que o
atual (no 4º relatório do IPCC, estimava-se que fosse apenas 4 a 6 m). Devido
aos dados melhores agora disponíveis, há alto nível de certeza nesta
informação. Uma vez que o derretimento total do manto da Groenlândia
corresponde a 7 m de elevação no nível do mar, isso pode indicar perda de gelo
antártico no período Riss-Würm.
No novo relatório do IPCC, o
limite crítico de temperatura no qual haveria o completo derretimento do manto
da Groenlândia é estimado entre 1 e 4 ºC acima dos níveis pré-industriais. No
relatório anterior, este número ainda era 1,9 a 4,6 ºC – e esta foi uma das
razões para se buscar políticas de mitigação que limitassem o aquecimento
abaixo de 2 ºC.
Figura 4: cobertura de gelo no oceano antártico no mundo de 2 graus (esq.) e no mundo de 4 graus (dir. |
Sem políticas de mitigação (cenário
RCP8.5), o Oceano Ártico se tornará virtualmente sem gelo durante o verão
antes da metade deste século (v. figura 4). No relatório anterior, isso não era
esperado antes do final do século.
Precipitação
O IPCC estima que as regiões secas tornem-se mais secas
devido ao aquecimento global, enquanto as regiões
úmidas se tornem mais úmidas. Índices extremos de precipitação já estão
provavelmente se tornando mais frequentes na América do Norte e Europa (os
dados são incompletos nas outras regiões). É muito provável que eventos
extremos desse tipo se tornem mais intensos e mais frequentes na maior parte
das áreas úmidas dos trópicos, bem como em regiões temperadas.
Oceanos
Figura 5: concentração medida de CO2 e pH da
água do mar. Baixo pH indica maior acidez.
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Com emissões altas (cenário acima
em vermelho), o IPCC estima que haverá um enfraquecimento da circulação do
Oceano Atlântico (conhecida como sistema da Corrente do Golfo) da ordem de 12 a
54%, até o final do século.
Por último, mas não menos
importante, nossas emissões de CO2 não apenas causam mudanças climáticas, mas
também aumentam a concentração de CO2 na água do mar, acidificando os oceanos
devido ao ácido carbônico que se forma. Isso é mostrado pelas medições plotadas
no gráfico abaixo.
Conclusão
O novo relatório do IPCC não dá
motivos para acomodação – mesmo se os “céticos” com motivações políticas
tentaram dar esse tipo de impressão com suas manobras desesperadas de RP antes
da publicação do relatório. Muitas coisas erradas foram escritas, que agora
desabam à luz do relatório verdadeiro vindo à tona.
Na verdade, é o oposto. Muitas
medidas são consideradas agora mais urgentes do que no 4º relatório, publicado
em 2007. O fato de que o IPCC com frequência precisa se corrigir atualizando os
dados “para cima” é uma mostra de que eles tendem a fazer afirmações
extremamente cautelosas e conservadoras, devido à sua estrutura de consenso – o
texto do IPCC é uma espécie de mínimo denominador comum, com o qual a maioria
dos pesquisadores pode concordar. O New
York Times deu alguns exemplos do IPCC “recuando para ser cientificamente
conservador”. Apesar (ou talvez por causa) desse conservadorismo, os relatórios
do IPCC são de extrema valia – pelo menos na medida em que o público e os
governos tomem conhecimento dele.
Oi Alexandre! Parabéns pelo blog e pelas informações. Acabei chegando aqui pelo vídeo do Pirulla sobre o aquecimento global. Provavelmente você não se lembra, mas nos conhecemos no lab. de Física de Nuvens da UFC - em 1991 ou 1992.
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