aprovado no mês passado. É possível que a demora tenha efetivamente contribuído para que o projeto de nova termelétrica que estava inscrito no leilão de energia de 2016 não tenha mais aparecido na listagem de projetos habilitados. No entanto, como esta é uma batalha longa e o texto contém informações relevantes e links com mais informação, resolvemos trazê-lo para o blog. Até porque Fortaleza teve racionamento de água anunciado e é preciso manter o combate ao funcionamento dessas empresas sedentas, poluentes e emissoras no estado do Ceará, contexto em que movimentos sociais, como o "Ceará no Clima" devem oferecer resistência.
O Ceará é um dos estados mais vulneráveis
diante do aquecimento global, em virtude das projeções de secas mais severas,
que podem trazer colapso hídrico, quebra de safras e elevação do nível do mar
[3]. A preocupação com as mudanças climáticas por parte dos tomadores de
decisão e formuladores de políticas públicas em nosso estado precisa ser
permanente.
No contexto da COP21, o Brasil apresentou uma
meta em sua INDC (contribuição voluntária ou Intended Nationally-Determined Contribution) de, até o ano de 2030,
reduzir em 43% suas emissões em CO2-equivalente, referentes a 2005. Todos os
estados brasileiros precisam se alinhar com esta meta a fim de que a mesma seja
cumprida, o que implica em reduzir o uso de fontes fósseis para energia e
restringir fortemente a perda de cobertura vegetal.
Porque somos contra o Incentivo
Fiscal para Termelétricas no Ceará
As mudanças climáticas são consideradas pela
comunidade científica a maior ameaça à continuidade de nossa civilização e à
existência de nossa própria espécie e de muitas outras. Dois artigos publicados
na semana passada em periódicos científicos prestigiados mostram que ela é mais
profunda do que parecia, sem precedentes na escola geológica [1] e seus piores
impactos, incluindo elevação do nível dos oceanos na escala de metros podem se
iniciar já na próximas décadas e não mais em séculos como se acreditava [2].
Imagem do açude Castanhão, em Julho de 2016, com menos de 9% do volume antes do início da estação seca. O maior reserva- tório cearense não deverá receber recarga até 2017. |
Sabemos que só é possível combater as
mudanças climáticas reduzindo as emissões de gases de efeito estufa,
substituindo os combustíveis fosseis como fonte de energia e pondo um fim no
desmatamento. Cientistas estimam que é necessário manter cerca de 90% dos
combustíveis fósseis no subsolo [4], a fim de que mantenhamos chances reais para
não ultrapassarmos todos os limites previstos na 21a Conferência das
Partes (a COP21), recentemente realizada em Paris
As emissões de CO2 no Ceará dispararam nos últimos anos. E diferente dos anos 1990, em que predominava o desmata- mento, o setor de energias é hoje o principal emissor, com as termelétricas à frente. |
No Ceará, no entanto, as emissões de gases de
efeito estufa cresceram 26,5% em apenas dois anos, segundo dados do Sistema de
Estimativas de Gases de Efeito Estufa (SEEG) [5]. O setor dominante nas emissões
desses gases desde 2010 é o de geração de eletricidade, que respondeu por 7,25
milhões de toneladas de CO2 (48,7% das emissões de energia/indústria
do estado ou 27,8% do total) em 2014. Isto equivale a dizer que as
termelétricas no Ceará, nesse ano, emitiram 4 vezes a mais do que os automóveis
particulares (responsáveis por 1,8 milhões toneladas de CO2), ou o
equivalente a queimar quase 10 Parques do Cocó anualmente! Em virtude disso, o Ceará,
terra do sol e do vento, tornou-se o segundo estado que mais emite CO2
para geração de eletricidade, atrás somente do Rio de Janeiro, também conforme
dados do SEEG.
Além dos impactos sobre o clima com emissões
muito maiores do que todas as de outras fontes de energia [6], estudos apontam
claramente que usinas termelétricas consomem grandes quantidades de água, da
ordem de centenas a milhares de litros por segundo [7] [8], uma quantidade
muitas vezes superior às energias renováveis. Por exemplo, a termelétrica do
Pecém, a maior em operação no estado (e no País inteiro) consome 800 litros de
água por segundo [9], o que equivale, a cada hora, ao volume de água
transportado por 411 carros-pipa. As condições atuais do Ceará são críticas,
com o sistema monitorado pela COGERH hoje armazenando somente 12% de sua
capacidade, com o Castanhão, principal reservatório com meros 9,5% [10], o que
nos leva a concluir que a continuidade do funcionamento das termelétricas não
pode ser considerado sustentável, ou mesmo viável, do ponto de vista hídrico.
Indústrias hidrointensivas como termelétricas
agudizam a injustiça hídrica em curso, já que as mesmas têm acesso a grandes
quantidades de água (inclusive com subsídio, como o desconto de 50% fornecido à
UTE-Pecém por intermédio da lei 14.920/2011) ao mesmo tempo em que comunidades
do entorno das empresas e até do entorno dos reservatórios têm sofrido com as
consequências do desabastecimento (comunidades agrícolas) e do baixo nível dos
reservatórios (comunidades pesqueiras).
Por fim, vale salientar que os supostos
benefícios econômicos trazidos pelas energias fósseis podem ser alcançados, com
vantagens, por energias renováveis [11]. Em particular, estima-se que, para o
mesmo volume de capital investido, a cadeia produtiva da energia solar gera 2,6
vezes mais empregos do que a cadeia produtiva da geração de eletricidade por
gás natural [12]. Acrescente-se que a maior parte dos empregos gerados por
termelétricas fósseis se dá somente quando de sua construção, não havendo
sustentabilidade econômica a longo prazo.
Recursos públicos já vêm sendo
inadequadamente aplicados nessas fontes sujas de energia, como os R$ 1,4
bilhões aportados pelo BNDES na Termelétrica do Pecém [13], que seriam
suficientes para a instalação de painéis solares em centenas de milhares de
residências de cearenses. É preciso inverter essa situação. Sendo assim, nos
posicionamos contrários a qualquer subsídio e incentivo a fontes fósseis para
geração de eletricidade em nosso estado (caso não apenas da já mencionada Lei
14.920/2011, que concede desconto na água fornecida à UTE Pecém, como à da Lei 14.862/2011,
que concede redução de ICMS ao carvão por ela utilizado).
Particularmente nos opomos à mensagem 7953/2016,
que propõe reduzir o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)
das termelétricas a gás natural em até 58,8% apresentada pelo governo estadual à
Assembleia Legislativa do estado do Ceará.
Não aceitamos o falso argumento de que o gás
natural possa ser considerado um “mal menor” em comparação com outras fontes
fósseis, como o carvão mineral. Em primeiro lugar, o componente principal do
gás natural é o metano (CH4), gás cujo potencial de aquecimento
global, molécula a molécula, é 28 vezes maior do que o do CO2, o que
faz com que vazamentos da ordem de 3% do volume extraído de gás natural o
tornem tão danoso ao clima quanto o carvão. Além disso, o incentivo a
termelétricas movidas a gás natural abre caminho para uma das mais poluentes e
destrutivas formas de obter esse combustível: o “fracking” ou fratura hidráulica, responsável pela contaminação de
aquíferos, aumento da incidência de doenças respiratórias e câncer e até sismos
no entorno dos sítios de extração do gás de xisto [14].
O contexto dessa mensagem a torna ainda mais
questionável, pois a mesma está sendo apresentada às pressas antes de um leilão
de energia [15], a fim de beneficiar um grupo econômico específico, cujo
projeto para o leilão não é competitivo, a não ser que conte com benesses do
Estado. Nas palavras do próprio representante da Secretaria de Infraestrutura, “Eles
(Enel) já têm um projeto, que já foi totalmente desenvolvido para participar de
um leilão de energia em fevereiro de 2016 (...), vieram solicitar apoio para os
processos e trâmites que antecedem o leilão. Como garantir as questões
tributárias e outros aspectos, dentro da planilha de custos do projeto, para que possa tornar o projeto competitivo
para o leilão” (grifo nosso) [16].
O momento demanda coragem e ousadia: a
coragem de rejeitar a mensagem 7953/2016, profundamente prejudicial à maioria
do povo cearense e a ousadia de revisar e encerrar todos os subsídios já em
vigor às termelétricas em nosso estado.
Fortaleza,
31 de março de 2016
Referências:
[1] Zeebe et al. (2016): Anthropogenic carbon
release unprecedented during the past 66 million years, Nature Geoscience, disponível
em http://www.nature.com/articles/ngeo2681.epdf
[2] Hansen et al. (2016): Ice melt, sea level
rise and superstorms: evidence from paleoclimate data, climate modeling, and
modern observations that 2 ◦C
global warming could be dangerous, Atmos. Chem. Phys., 16, 3761–3812,
disponível em http://www.atmos-chem-phys.net/16/3761/2016/acp-16-3761-2016.html
[3] PBMC, 2014: Impactos, vulnerabilidades e
adaptação às mudanças climáticas. Contribuição do Grupo de Trabalho 2 do Painel
Brasileiro de Mudanças Climáticas ao Primeiro Relatório da Avaliação Nacional
sobre Mudanças Climáticas [Assad, E.D., Magalhães, A. R. (eds.)]. COPPE.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 414 pp.
[4] Costa (2015): “Saldo de Carbono”
negativo: com 400 ppm já estamos na zona de perigo. Disponível em http://oquevocefariasesoubesse.blogspot.com/2015/08/saldo-de-carbono-negativo-com-400-ppm.html
[5] Os dados podem ser acessados livremente
em http://plataforma.seeg.eco.br/
[6] Lenzen, M.; Frank Barnaby; James Kemp; et
al. (2008). "Life cycle energy and greenhouse gas emissions of nuclear
energy: A review. Energy Conversion and Management 49, 2178-2199" (PDF).
University of Sydney.
[7] DOE/NETL, 2008: Estimating Freshwater
Needs to Meet Future Thermoelectric Generation Requirements, update,
DOE/NETL-400/2008/1339
[8] Water Use in Electric Power Generation,
Electric Power Research Institute report 1014026 (February 2008)
[9] Costa
(2014): O Quinze 2.0? Ataque da Hidra Ilógica sobre o Ceará, disponível em
http://tinyurl.com/gvlmzmb
[10] Dados do portal hidrológico do Ceará, acessíveis em
http://hidro.ce.gov.br
[11] EPRI
2011, National Cost Estimate for Retrofit of U.S. Power Plants with
Closed‐Cycle Cooling, EPRI Technical Brief 1022212; and Closed‐Cycle Retrofit
Study: Capital and Performance Cost Estimates, EPRI Technical Report 1022491.
[12] Robert
Pollin, James Heintz, and Heidi Garrett-Peltier June 2009: The Economic
Benefits of Investing in Clean Energy, Department of Economics and Political
Economy Research Institute (PERI), University of Massachusetts, Amherst
[13] Conforme informações disponíveis em
http://www.cearaportos.ce.gov.br/index.php/informacoes/listanoticias/305-termeletrica-do-pecem-vai-receber-r-14-bi-do-bndes-
[14] Detalhes sobre diversos impactos do
“fracking” são descritos em http://naofrackingbrasil.com.br/
[15] Vide informações sobre o leilão de
energia A-5:
http://www.epe.gov.br/leiloes/Paginas/default.aspx?CategoriaID=7049
[16] Em matéria do Jornal O Povo, disponível
em http://tinyurl.com/hs5nwy3
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