"Cogumelo" atômico sobre Hiroshima |
Hoje temos 43% mais CO2 do que na era pré-industrial (os famigerados 400 ppm) e mais do dobro do metano. Isto já aqueceu o planeta em praticamente 1°C. A cada segundo, em função do excesso desses e outros gases de efeito estufa na atmosfera, produzidos pelas atividades humanas (queima de combustíveis fósseis para energia e transporte, desmatamento, agropecuária), o sistema climático terrestre acumula o equivalente à energia de 4 bombas de Hiroshima. É uma quantidade formidável.
Nada menos do que 93% desse calor extra é armazenado nos oceanos. Ele é, então, passado à atmosfera de várias maneiras: em enorme quantidade, mas de forma relativamente lenta, como quando da ocorrência de El Niños muito intensos como os de 1997/1998 e, agora, o de 2015/2016; ou de forma explosiva, através de ciclones tropicais: os furacões e tufões. Esta última parece ser uma forma particularmente eficiente para oceanos superaquecidos se livrarem de suas "bombas de Hiroshima", afinal, a cada segundo, um grande furacão libera energia equivalente a 10 delas.
2015: Recorde de temperaturas, recorde de tempestades
Neste ano de 2015, não por coincidência o ano mais quente de todo o registro histórico, quebrou-se o recorde de ocorrência de supertempestades, isto é, furacões e tufões de categoria 4 ou 5. O recorde foi quebrado no fim de semana de 17 e 18/10, quando Koppu se tornou um supertufão e atingiu as Filipinas e Champi passou à categoria 4. Koppu afetou nada menos do que 2,7 milhões de pessoas, deixou pelo menos 47 mortes (ainda há 4 pessoas desaparecidas), derrubou ou danificou quase 20 mil residências e deixou prejuízos acima de 200 milhões de dólares (quase 10 bilhões de pesos filipinos), principalmente na agricultura. Champi, até pela trajetória, não produziu impactos importantes em nenhuma área habitada.
Oceanos superaquecidos: berçário de supertempestades
Comparação entre os eventos de El Niño de 1997 e 2015. |
Por exemplo, as temperaturas do Mar das Filipinas a oeste da Bacia do Pacífico, por onde Koppu passou, estavam a impressionantes 31°C. Mas as águas do Pacífico, do outro lado, também estão particularmente quentes em 2015, com a ocorrência de um El Niño que, pelo menos nas últimas 6 décadas, só encontra paralelo no evento de 1997/1998. Os dois eventos têm, por sinal, como se verifica na figura ao lado, intensidades semelhantes no mesmo período do ano (sendo o de 1997/1998 um pouco mais forte). Mas é visível que o evento deste ano (gráfico de baixo) é acompanhado por um aquecimento extraordinário das águas do Pacífico subtropical, próximo à costa... do México, que nutriram Patrícia.
Patrícia, visto do espaço: Felizmente, os ventos de mais de 320 km/h medidos sobre o oceano perderam força antes da tempestade chegar ao México |
Nos furacões, o calor gera movimento ascendente, que gera baixa pressão, que gera ventos, que extraem mais calor da água (num loop). Quanto mais quentes as águas ficarem, mais combustível haverá para produzir monstros como Katrina, Haiyan e Patrícia. Básico. E assim como são inéditas as temperaturas ora observadas nos oceanos tropicais, pelo menos na escala do registro instrumental, mas possivelmente na escala de séculos ou mesmo milênios, também são inéditos Haiyan (há 2 anos, com seus ventos de 315 km/h) e Patricia (com seus incríveis ventos de 325 km/h). Num mundo 1°C mais quente, a escala de Saffir-Simpson para classificar tufões e furacões já se mostrou desatualizada e esses dois monstros poderiam ter sido classificados como categoria 6 se essa escala não parasse em 5 (aqui confesso: achei que levaria algum tempo até que aparecesse alguma tempestade que pudesse rivalizar com o Haiyan e seu poder destrutivo... estava errado, para vocês verem que até eu posso subestimar a dramaticidade das mudanças climáticas e sua velocidade).
Patrícia, felizmente, produziu bem menos danos do que poderia
Enchente em Dallas associada aos restos do Patrícia terminaram causando prejuízos maiores no Texas do que o furacão em si, no México. Fonte da foto: http://www.propertycasualty360.com/ |
Mas o que não se pode aceitar é que, pelo fato de o México não ter se tornado novas Filipinas (atingidas há dois anos por um Haiyan no auge de sua potência), não se faça a reflexão necessária. Patrícia e Haiyan são a novidade terrível de um mundo 1°C mais quente, um mísero grau! E hoje a luta é a de tentar parar essa loucura em 2°C!
Filhos da indústria fóssil, Haiyan e Patricia se multiplicarão num mundo mais quente
Sem freio às emissões, este planeta pode ficar 6°C mais quente em 2100, e mesmo um aquecimento de 3-4°C, que resultaria provavelmente da aplicação das medidas tímidas que estão sendo propostas nos preparativos para a COP21 em Paris, é medonho, inaceitável. Pense nos furacões e tufões da sua velhice. Pense nas secas dos seus filhos. Pense nas ondas de calor dos seus netos. Chega de proteger "a economia" (leia-se lucros e privilégios). Chega de meias medidas quando está claro que Haiyan e Patricia não são "desastres naturais"! Eles são crias da indústria fóssil e demais emissoras, filhos do petróleo e carvão, do desmatamento e até da carne de boi! Ora, esses setores econômicos que mais emitem não são "produtivos". São destrutivos. E precisam pagar pela transição urgente e necessária para outro modo de viver, que é a única forma de evitar que Haiyans e Patricias cresçam e se reproduzam.
Diante da violência de um Patrícia ou de um Haiyan, tempestades com "anabolizante", convenço-me ainda mais: ao demandarmos o fim da indústria fóssil, não somos nós que "queremos o impossível". Não se escolhe obedecer ou não às Leis da Física. Daí, quem quer o impossível são eles, os CEOs dessa indústria imunda e os governantes que lhe são subservientes. Afinal, impossível mesmo é continuar queimando esses combustíveis sem que arruinemos profunda e irreversivelmente o sistema climático terrestre e sem que comprometamos as próprias condições para a vida humana neste planeta. Não, não queremos o impossível. Queremos apenas o necessário para evitar essa tragédia.
o grande problema é a consenso mundial a respeito
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