Pseudociência recebendo resposta. Eu e vários colegas cientistas questionamos o Comitê de Ciência, Espaço e Tecnologia do Congresso dos EUA pelo twitter. |
Spencer não é apenas negacionista climático. Ele se tornou um defensor do chamado "design inteligente", a versão modernizada do velho criacionismo. Então, embora tenha doutorado em Meteorologia e ocupe um posto no meio acadêmico, não é exatamente uma pessoa afeita a aceitar fatos científicos bem estabelecidos. Mas não é obviamente um argumento ad hominem que resolve a questão. É ou não verdade a afirmação de que 1998 e 2016 estariam "empatados", talvez ressuscitando o falso mito de que o aquecimento global teria parado? Os dados de satélites estariam contradizendo as informações geradas por outras fontes, incluindo a rede de observações de superfície? Testemos!
OS DADOS DE SPENCER REFORÇAM QUE O AQUECIMENTO GLOBAL É REAL!
Pelo visto, a primeira coisa que o Sr. Roy Spencer precisa é retornar aos bancos da universidade e fazer uma senhora revi- são de estatística... Ou então parar com tanta desonestidade... |
Uma primeira análise estatística consiste em aplicar uma regressão linear aos dados. Qual foi o resultado? Um aquecimento bastante nítido de 0,124°C por década (0.07981 a 0.1672, considerando a incerteza), um resultado estatisticamente para lá de robusto (correlação de 0,69, p < 0.0001).
Não satisfeitos, rodamos o teste estatístico para tendências de Mann-Kendall. Sem entrar nos detalhes do teste, uma das variáveis importantes para ele é a diferença entre a quantidade de aumentos e reduções entre membros da série. Então mesmo que a anomalia de 2016 não tivesse superado numericamente a de 1998, se houvesse mais aumentos de temperatura entre anos anteriores e anos posteriores tomados dois a dois a partir de um valor crítico, o teste de Mann-Kendall indicaria que estatisticamente a tendência é quase indubitavelmente de crescimento. Das 703 comparações entre pares de anos, temos 536 aumentos de temperatura do ano anterior para o posterior, 162 reduções e 5 empates. A estatística S nos fornece 374 para Zs = 4,69. Quem manja de estatística sabe que isso aí está muito para lá de significativo (99,9999%).
Dados de superfície da NOAA mostram aquecimento a uma taxa de 0,154°C por década. |
HÁ OUTROS DADOS DE SATÉLITE ALÉM DO UAH
Outro aspecto importante do discurso de Spencer é se referir aos satélites, como se toda estimativa da anomalia de temperatura corroborasse exatamente com seus dados. Claro, se isso acontecer, teríamos, como mostramos, mais evidências reforçando a realidade do aquecimento global.
estimativa. No site, a RSS anuncia que "2016 foi o ano mais quente desde que o registro por satélite iniciou em 1979. O recorde anterior, por ocasião do grande El Niño de 1998, foi superado em 0,31 graus Fahrenheit (0,17°C)". Os dados do própro site da RSS apontam para uma taxa de aquecimento maior do que a estimada pela UAH, sendo 0,135°C/década no canal TLT (baixa troposfera) e 0,180°C/década no canal TTT ("troposfera total").
Na verdade, estimar a temperatura da atmosfera a partir de satélites não é exatamente trivial, pois há importantes fontes de erro, incluindo a tendência de os satélites perderem um pouco de altitude gradualmente ano após ano, e correções que são necessárias por conta do ciclo diurno. O artigo de Po-Chedley et al., publicado no Journal of Climate, sugere exatamente que o tratamento dado pelo grupo de Spencer ao ciclo diurno não é o mais adequado, produzindo um erro sistemático de subestimação das temperaturas.
ATER-SE À CIÊNCIA, COMBATER A MANIPULAÇÃO
Ainda que possa haver questionamentos à metodologia aplicada pela UAH e que o dado que ela produz possa conter um erro sistemático para menos, o fato é que mesmo assim o que emerge deles não dá apoio aos discursos do Comitê do Congresso dos EUA e de Roy Spencer. Nos próprios dados de Spencer, o aquecimento global aparece nitidamente, passando em todo teste estatístico. Não há debate científico ou mesmo qualquer conversação racional possível se se ignoram os fatos e os dados.
Pinóquio, após contar uma "pós-verdade" |
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