segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O Irrelevante, o Insuficiente e o Necessário. Parte II: É pouco, Dilma! É pouco!

Dilma anunciou, finalmente, a proposta de contribuição
voluntária do Brasil para redução de emissões de gases de
efeito estufa. Os números até impressionam à primeira vista,
mas as metas estão longe da ambição necessária e do que é
possível para o Brasil, como grande emissor.
Foram anunciadas pela presidente Dilma Rousseff, neste domingo, em Nova Iorque, as metas brasileiras de redução de gases de efeito estufa. O site do Planalto divulgou que "o Brasil pretende reduzir em 37% as emissões de gases de efeito estufa até 2025" e "para 2030, segundo a presidenta, a ambição [sic] é chegar a uma redução de 43%". O documento oficial está disponível neste link.

O que pretendemos mostrar é que 43% de redução das emissões em relação a 2005 é, na verdade, pouco, que esse número aparece inflado em relação ao que deveriam ser metas reais, e que, portanto, se há uma palavra que não faz sentido ser usada aqui é "ambição".


Primeiro, devo dizer que o CO2-equivalente aqui considerado é aquele que equaliza o potencial de aquecimento global para 100 anos - o "GWP-100" - dos demais gases relativamente ao do CO2, de tal forma que, por exemplo, uma tonelada de metano equivale a 25 de CO2 e, como sabemos, a expansão do gado bovino no Brasil teve impacto particularmente alto nas emissões de metano por fermentação entérica (com esse gás chegando à atmosfera através dos arrotos e "puns" dos ruminantes).

Emissões brasileiras desde 1990 até 2013, segundo o SEEG. Destaques: 1990,
em laranja; 2005, em vermelho e a meta para 2030, em verde.
Usando dados do SEEG, o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa, podemos entender a evolução das emissões brasileiras nas últimas duas décadas e meia. Com exceção do pico de 1995, é fácil perceber que nos anos 1990, as emissões estiveram em torno de 2 bilhões de toneladas de CO2-equivalente por ano, passando a um crescimento significativo após a virada do século, tendo chegado a 2,84 bilhões em 2004. A partir de 2005 (destacado no gráfico em vermelho), com a redução do desmatamento, que dava, disparadamente, a principal contribuição para as emissões, estas começaram a cair.

E é aí que o uso de 2005 como ano-base para o cálculo das metas se mostra uma escolha enganosa. Se aplicássemos essa meta em relação ao patamar de 1990, como vários países estão fazendo, estaríamos cortando 43% de 1,84 bilhões de toneladas de CO2-equivalente (emissões brasileiras naquele ano, marcado em laranja no gráfico), aí sim, teríamos de baixar nossa pegada para 1,05 bilhões de toneladas, significativos 30,4% em relação às emissões atuais. Sem a propaganda, a meta real de redução de emissões de gases de efeito estufa é de menos de 28% em relação a 1990. .

Mais ainda: reduzir 43% de emissões em relação aos 2,33 bilhões de toneladas de CO2-equivalente de 2005 significa baixarmos as emissões para 1,33 bilhões, o que não é, como se pode ver na coluna verde do gráfico, nada espantosamente menor do que o que temos emitidos nos últimos anos. Com efeito, já ficamos, em relação a 2005, 35% abaixo em 2009, 2010 e 2011, 38% abaixo em 2012 e 33% em 2013! Se tomarmos a média de 1,51 bilhões desses 5 anos que citei, percebemos que a redução é tímida! É um corte de apenas 12% nas emissões, muito aquém dos 43% anunciados com alarde.

Dilma e Obama: dois líderes de dois grandes países emissores
cujas propostas, apesar de não serem irrelevantes, têm mais
aparência do que efetividade no combate à crise climática.
Nesse sentido, o Brasil pareceu copiar a estratégia dos EUA de inflar os números. Como mostramos em outro artigo de nosso blog, as metas anunciadas por Obama ficaram muito aquém do necessário. Os EUA também adotaram 2005 como ano-base e se propuseram a cortar de 26 a 28% das emissões, relativamente àquele ano. Segundo o inventário de emissões daquele país, em 2005 foram emitidas 7,35 bilhões de toneladas de CO2-equivalente, algo próximo do máximo histórico de 2007. Ora, aplicando 28% de redução em cima desse valor, chega-se a uma meta (no caso dos EUA para 2025), de baixar esse valor para 5,29 bilhões. Ora, apesar disso não ser desprezível, é evidente que se considerarmos não o ano de 2005, mas as emissões recentes, como os 6,72 bilhões da média dos últimos 5 anos, o corte real mal ultrapassa os 21%. É vergonhoso que as contribuições voluntárias (as INDCs) virem mais um palco para muita propaganda e pouca ação efetiva (ou, pelo menos, para ações que, por se ter protelado tanto o enfrentamento da crise climática, se mostrem tão insuficientes).

Sabemos que o Governo Dilma impulsionou as fontes fósseis como nenhum outro, tendo apostado no aumento da demanda energética, acionando termelétricas a rodo no contexto do PAC (usando de um programa de favorecimento a estas da época de FHC, como mostramos neste artigo) e insistindo no delírio lulista do pré-sal. Foi também grande incentivador da expansão do agronegócio, o que fez estancar a redução do desmatamento, tendo este chegado a voltar a crescer, após a aprovação do Código (Anti-)Florestal, além de impulsionar as emissões de metano (a maior parte vinda do rebanho bovino de corte) e de óxido nitroso (dos fertilizantes) que, convertidas em CO2-equivalente dão somas assombrosas. Nesse contexto, é claro que a proposta brasileira de redução de gases de efeito estufa não é desprezível, mas é certamente bastante aquém do que o Brasil pode e deve fazer.

Com enorme potencial eólico e solar, repotenciando e recupe-
rando hidrelétricas já existentes e adotando um modelo de
desenvolvimento menos intensivo do ponto de vista energético,
o Brasil teria plenas condições de se libertar do binômio
barragista-fóssil que só atende a empreiteiras, petroquímicas
e mineradoras.
Uma grande questão permanece: o Brasil segue oferecendo a possibilidade de cortar emissões que são relativamente fáceis: aquelas relativas ao desmatamento (e chega a ser lamentável que, ao invés de zerar o desmatamento, o governo brasileiro se proponha apenas a "zerar o desmatamento ilegal"). Mas permanece dominado por visões atrasadas de matriz energética. E isso dificulta enormemente reduzir as emissões que mais cresceram nos últimos anos: aquelas associadas à energia (incluindo transporte).

A própria Dilma continua presa à lógica de contrapor a energia limpa e descentralizada solar e eólica à "energia de base" (que, na visão dela, é necessariamente uma combinação de hidráulica, fóssil e nuclear). Nesse contexto, chega a defender Belo Monte e demais barragens na Amazônia, "esquecendo" as enormes emissões de metano em hidrelétricas (sistematicamente subestimadas, como mostra o colega cientista Phillip Fearnside) e os impactos diretos na biodiversidade e ignorando solenemente as projeções de mudanças climáticas que apontam para uma clara perspectiva de redução das vazões especialmente no Xingu e no Tapajós.

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