As corporações estão literalmente com o termostato do planeta em suas mãos. Uma publicação de autoria de Richard Heede, no respeitado jornal de nossa área Climatic Change, chega a conclusões assustadoras. Primeiro, que 63% das emissões acumuladas de CO2 e metano desde 1751 foram devidas a apenas 90 "entidades", incluindo empresas privadas e de capital misto, mas também diretamente por certos Estados nacionais, em uma divisão quase equitativa entre esses grupos, responsáveis, respectivamente, pela emissão de 315 GtCO2e (bilhões de toneladas de CO2 equivalente), 288 GtCO2e 3 312 GtCO2e. Segundo, que nada menos que metade dessas emissões se deu de 1986 para cá!
O jornal "The Guardian" construiu um gráfico interativo que permite acessar de forma bastante amigável os resultados de Heede e é possível se chegar a alguns números ainda mais impressionantes, dada a extrema monopolização da economia mundial e a responsabilidade de um punhado de gigantes do setor petroquímico no aguçamento da crise climática, do aumento risco de eventos extremos e da crescente probabilidade de se chegar a um quadro irreversível de desestabilização do sistema climático global. Por exemplo, mais de 11% das emissões globais se deveu a somente 4 companhias privadas, a saber: Chevron-Texaco, ExxonMobil, British Petroleum (BP) e Shell. Ao se adicionar 3 companhias de regime misto (estatal/privado), a Saudi Aramco, a russa Gazprom e a National Iranian Oil Company, chega-se muito próximo de 1/5 de todo o histórico de emissões antrópicas do período industrial sendo devidas a somente 7 empresas.
Nossos pulmões trocam meio litro de ar a cada respiração, trazendo para seu corpo 180 quatrilhões de moléculas que não es- tariam na atmosfera se não fosse por uma dessas quatro corporações. |
Ora, sabe-se que as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera giravam em torno de 280 ppm antes desse período e que elas estão marchando céleres para chegar a 400 ppm na média anual nos próximos dois anos (tendo ultrapassado essa marca em seu momento de pico, em Maio deste ano, como discutimos em alguns artigos deste blog). Isto implica que nada menos que 30% das moléculas de CO2 presentes na atmosfera terrestre estão nela por responsabilidade antrópica. Juntando as duas informações, é como se a cada 30 moléculas deste gás que você respira, uma delas carregasse o logo da Chevron, da Exxon, da BP ou da Shell.
Mas nada deixa tão evidente como esse punhado de grandes empresas de combustíveis fósseis (incluindo, além das gigantes petroquímicas as corporações do carvão) sequestraram o clima quanto o fracasso sucessivo das "Conferências das Partes" (as COPs). O que aparentava ser um mecanismo de construção de consensos e acordos, concebido pela ONU, ano após ano se revela uma fraude. Os "negociadores", alheios tanto ao que é estabelecido pela Ciência (em particular o balanço de carbono necessário para manter o aquecimento global sob controle, isto é, abaixo de 2°C, conforme descrito por mim neste texto quanto a tragédias humanitárias das dimensões de Bopha e Haiyan, permanecem escravos de seus governos nacionais que, por sua vez, mostram-se uma mistura de reféns, cúmplices e marionetes da indústria de combustíveis fósseis.
Em sua 19ª edição, em Varsóvia, o fiasco ficou evidente e mais uma vez, a responsabilidade recaiu fundamentalmente sobre os países ricos. O Japão, que ficou vergonhosamente prisioneiro de energia gerada por usinas nucleares vulneráveis a terremotos e tsunamis (vulnerabilidade tragicamente exposta pelo desastre de Fukushina) abandonou as intenções anteriormente proclamadas de metas para 2020 de cortar as emissões em 25% em relação aos níveis de 1990 para um corte pífio de 3,8% em relação à 2005. O novo governo da Austrália propõe extinguir o imposto sobre o carbono que permitiu que a energia eólica se mostrasse mais barata do que a gerada térmicas a carvão, recurso abundante naquele país e uniu-se ao Canadá na negativa à ampliação de financiamento para atender à questão climática. Os EUA travaram o quanto puderam as proposições mínimas de um mecanismo de perdas e danos ("loss and damage") insistemente solicitado por países como as Filipinas, que são brutalmente atingidos por eventos extremos que tendem a ficar mais colossais e destrutivos à medida que o clima aquece. Mas além deles, diversos países que poderiam exercer outro tipo de protagonismo, como o Brasil, cumpriram outro papel. Nosso país, ainda no Governo Lula, tinha estabelecido metas voluntárias de redução de emissões de gases de efeito estufa. Sabia-se que, apesar de significativas do ponto de vista numérico, essas metas eram relativamente fáceis de cumprir, limitando o crédito aos desmatadores. Alguns presentes foram tomados de surpresa quando a delegação brasileira anunciou a volta do crescimento do desmatamento em 28% (não se surpreenderiam se tivessem acompanhado o desmonte do Código Florestal). A conduta brasileira, por sinal, foi péssima nos últimos anos, com aumento das emissões no setor energético (com mais geração vinda de termelétricas subsidiadas) e no setor de transportes (com o aumento exponencial da frota automobilística, facilitado pelos incentivos governamentais). Em protesto, a sociedade civil, em protesto, deixou a COP, incluindo organizações ambientalistas tipicamente moderadas, como o WWF. Aliás, reside na radicalização do movimento ambientalista e no entrelaçamento da luta pela justiça climática com todas as outras frentes de combate ao capital (defesa dos povos indígenas, lutas contra as opressões, direitos dos trabalhadores, luta pela terra, etc.) a única saída para arrancar o controle sobre a temperatura do planeta e os destinos das futuras gerações das mãos das corporações.
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