Vocês algum dia imaginaram ser esse lixo paranoico o tipo de leitura adotado e recomendado por um ministro das relações exteriores do nosso país? (Print do Twitter de Ernesto Araujo) |
A bizarrice do chanceler se espalha em tudo aquilo que ele resolve opinar a respeito. O nível de delírio é tão medonho que ele chega a afirmar que "a esquerda quer uma sociedade onde ninguém nasça, nenhum bebê, muito menos o menino Jesus". Mas como aqui a nossa praia é mudança climática (diferentemente do novo diretor do INPE), vamos nos deter à nova pérola do chanceler neste tema.
Também por intermédio do Twitter do ministro, fiquei sabendo que ele havia cometido um texto intitulado "Falsas aspas, falsos modelos", o que me motivou a responder também no Twitter, começando na mesma noite, mas se estendendo pelos dois dias seguintes. Resolvi, então, colocar aqui, de maneira sistematizada e melhor estruturada, a resposta ao delirante Ernesto. Vamos lá!
Imagino que a motivação do ministro para escrever tanta bobagem tenha sido a série de reportagens que se seguiram à declaração dele, negando o aquecimento global com base no fato de que "estava frio em Roma". Ou seja, era a velha confusão entre tempo e clima. Mas ao colocar por escrito, alegando que "não era bem aquilo que queria dizer", veremos que Ernesto só piorou a sua própria situação...
Como é que o ocupante do Itamaraty trata a questão dos eventos extremos de tempo? Afirmando que "qualquer fenômeno específico que pareça comprovar essa convicção [de que existe aquecimento global], como um recorde de calor em algum lugar, tende a ser amplamente reportado, ao passo que um fenômeno que pareça desmenti-la é rejeitado e não aparece com destaque na mídia".
Para o chanceler, é como se extremos de calor estivessem sendo indevidamente usados para confirmar o aquecimento global, enquanto eventos frios estariam sendo ignorados. Isso faria sentido se a ocorrência de extremos de calor e frio fosse equivalente, como seria de se esperar num clima em equilíbrio. Acontece que todas as estatísticas demonstram que a frequência de extremos de calor é, hoje, bem maior do que a frequência de baixas temperaturas. Cinco vezes para ser mais preciso. É o que demonstra o artigo de Coumou et al., de 2013, na revista científica Climatic Change. Aliás, como mostra a figura do artigo (que reproduzimos aqui), a partir dos anos 1980, a quebra de recordes de alta temperatura passou a ser mais de duas vezes mais frequente que a quebra de recordes de baixa. Hoje em dia, a proporção é de 5 para 1, podendo chegar a 10 para 1 até mesmo antes de 2030.
Na verdade, com noções elementares de estatística se torna fácil entender porque extremos como os recentes eventos de calor extremo na Europa e no Alaska devem se tornar cada vez mais frequentes, ao passo que recordes de frio vão ficando mais e mais raros. Com um pouquinho de esforço, talvez até o ministro seja capaz de absorver o conceito.
Considere a figura abaixo, que mostra uma distribuição de temperaturas para uma determinada região. Em geral, a maior parte dos registros acontece em torno da média para aquele período do ano, como mostrado na curva amarela. As frequências de eventos frios e quentes são proporcionais, respectivamente às áreas coloridas em azul e amarelo próximo às extremidades da curva. Em outras palavras, temperaturas muito mais baixas que a média são relativamente raras, assim como temperaturas muito mais altas. Mas sem que haja uma mudança no clima, a estatística permanece a mesma e a frequência de eventos frios e quentes permanece equivalente.
Mas o que acontece quando a própria temperatura média aumenta? A distribuição como um todo se desloca, como mostrado na curva vermelha. Nesse caso, a área em azul sob a curva, à esquerda, correspondente à frequência de extremos de frio, diminui. Em contrapartida, a área em amarelo, à direita, correspondente à frequência de extremos de calor, aumenta. A proporção entre as duas, que antes era de um para um, muda radicalmente. E o que também acontece é que a chance de quebra de recorde de calor se torna bem maior (área vermelha).
Para o chanceler, a atenção dada às ondas de calor (que além de mais frequantes estão cada vez mais perigosas e até mortíferas) teria o mero propósito de validar a "conspiração globalista". Também conforme o pensamento distorcido de Ernesto Araújo, a conspiração também deve estar escondendo recordes de frio. Mas como mostramos aqui, o único tipo de extremo que está tão frequente quanto as ondas de calor são os extremos de delírio conspiracionista do chanceler. Ou o extremismo político-ideológico a que ele é afiliado e que se traduz numa paranoia conspiracionista e anticiência.
Mas esse equívoco evidente é só o começo... Ernesto segue, aventurando-se a falar de Paleoclima, então imaginem o que vem por aí! Mas isso é papo para a Parte II da resposta ao ministro. Até lá!
Razão entre extremos mensais de calor e de frio, no mundo, desde 1880, com projeção para as próximas décadas. Fonte: Coumou et al. (2013) |
Na verdade, com noções elementares de estatística se torna fácil entender porque extremos como os recentes eventos de calor extremo na Europa e no Alaska devem se tornar cada vez mais frequentes, ao passo que recordes de frio vão ficando mais e mais raros. Com um pouquinho de esforço, talvez até o ministro seja capaz de absorver o conceito.
Considere a figura abaixo, que mostra uma distribuição de temperaturas para uma determinada região. Em geral, a maior parte dos registros acontece em torno da média para aquele período do ano, como mostrado na curva amarela. As frequências de eventos frios e quentes são proporcionais, respectivamente às áreas coloridas em azul e amarelo próximo às extremidades da curva. Em outras palavras, temperaturas muito mais baixas que a média são relativamente raras, assim como temperaturas muito mais altas. Mas sem que haja uma mudança no clima, a estatística permanece a mesma e a frequência de eventos frios e quentes permanece equivalente.
Mas o que acontece quando a própria temperatura média aumenta? A distribuição como um todo se desloca, como mostrado na curva vermelha. Nesse caso, a área em azul sob a curva, à esquerda, correspondente à frequência de extremos de frio, diminui. Em contrapartida, a área em amarelo, à direita, correspondente à frequência de extremos de calor, aumenta. A proporção entre as duas, que antes era de um para um, muda radicalmente. E o que também acontece é que a chance de quebra de recorde de calor se torna bem maior (área vermelha).
Para o chanceler, a atenção dada às ondas de calor (que além de mais frequantes estão cada vez mais perigosas e até mortíferas) teria o mero propósito de validar a "conspiração globalista". Também conforme o pensamento distorcido de Ernesto Araújo, a conspiração também deve estar escondendo recordes de frio. Mas como mostramos aqui, o único tipo de extremo que está tão frequente quanto as ondas de calor são os extremos de delírio conspiracionista do chanceler. Ou o extremismo político-ideológico a que ele é afiliado e que se traduz numa paranoia conspiracionista e anticiência.
Mas esse equívoco evidente é só o começo... Ernesto segue, aventurando-se a falar de Paleoclima, então imaginem o que vem por aí! Mas isso é papo para a Parte II da resposta ao ministro. Até lá!
Olá Alexandre, parabéns pelo trabalho e o texto explicadinho.
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