quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Novo estudo mostra: aquecimento global inibirá efeito resfriador de vulcões

Estrutura vertical da atmosfera terrestre. Mais de
80% da massa da atmosfera se localiza na
camada  inferior (troposfera). Acima desta,
localiza-se a estratosfera.
Como já mostramos em alguns artigos em nosso blog, vulcões exercem um papel muito peculiar no clima. Especialmente em grandes explosões vulcânicas, um número enorme de partículas é lançado na atmosfera e esses aerossóis têm a capacidade de bloquear parte da radiação solar. Por conta da estrutura termodinâmica de nossa atmosfera (mostrada na figura ao lado), se a erupção for violenta o suficiente para fazer com que parte desse material chegue à estratosfera, os impactos se tornam bem maiores, pois a estratosfera é muito estável, com pouco movimento vertical e sem a formação de nuvens de chuva. Daí, enquanto na troposfera os aerossóis vulcânicos são rapidamente removidos pelas correntes de ar e pela precipitação, na estratosfera podem permanecer por um longo período, produzindo um efeito resfriamento relativamente prolongado (de alguns meses a poucos anos), conhecido como "inverno vulcânico". Um exemplo desse fenômeno aconteceu recentemente, com a explosão do Monte Pinatubo, em 1991, que levou a uma redução de cerca de 0,5°C nas temperaturas globais, mas há registros de eventos bem mais intensos no passado, como a explosão do Tambora, após a qual estima-se uma queda na temperatura global de até 3°C.



Então, mesmo sendo seu efeito resfriador passageiro, diante da realidade crítica em que estamos, com o degelo das calotas especialmente no Ártico se acelerando, sucessivas quebras de recorde de temperatura e 2016 prometendo fechar 1,2°C acima das temperaturas pré-industriais, é como se os vulcões, apesar do estrago que podem fazer, fossem estranhos aliados nossos contra o aquecimento global.

Anomalia no nível de pressão em que se localiza a tropopausa. Dados de
reanálise (ERA-40) e comparação com simulações de modelos climáticos
com (vermelho/laranja) e sem (azul/ciano) as forçantes antrópicas.
Acontece que, como já vem sendo verificado desde o 4o relatório do IPCC (http://bit.ly/2f62HyU), a troposfera, essa camada de baixo da atmosfera, vem se aquecendo e, portanto, dilatando, do mesmo jeito do o ar quente que se expande em um balão! Na figura ao lado, fica evidente que a altura da tropopausa aumentou significativamente desde os anos 1960 (a escala mostrada está em pressão, tal que uma redução na pressão implica em um aumento na altitude).

O esqueminha mostra o que deve acontecer no futuro: embora
não haja indícios de que este venha a ser um feedback domi-
nante, ele vem se somar a vários outros que amplificam a per-
turbação associada às forçantes antrópicas, especialmente os
gases de efeito estufa de vida longa.
E o que isso tem a ver com os vulcões? Ora, como agora a estratosfera está mais distante (mais de 200 metros acima de onde costumava ficar), o material lançado pelos vulcões terá menos oportunidade de chegar lá. É como se os vulcões tivessem de "fazer mais força" para colocar os aerossóis na estratosfera do que antes, o que deve fazer com que eles percam o seu "super-poder" de resfriar o planeta!

É o que indica um novo artigo, publicado no Journal of Geophysical Research, de autoria de Aubrey et al., intitulado "Impact of global warming on the rise of volcanic plumes and implications for future volcanic aerosol forcing" ("Impacto do aquecimento global no levantamento de plumas vulcânicas e implicações para o futuro forçamento de aerossóis vulcânicos). O resumo do artigo está disponível no link: http://bit.ly/2fX35P6 e para fins didáticos, a figura acima ilustra o que esperar num cenário com troposfera mais profunda.

O estudo de Aubrey et al. sugere que várias plumas vulcânicas recentes não seriam capazes de atingir a tropopausa no final do século. A redução esperada no fluxo de óxido de enxofre (SO2), precursor de aerossóis de sulfato, é de 5 a 25% para as plumas menores e de 2 a 12% no total (erupções mais violentas seriam menos afetadas).

As conclusões dos autores vão no sentido de que se trata de um novo feedback climático, que ainda não tinha sido descrito: quanto mais quente a troposfera ficar, maior a altura da tropopausa e menor a carga de aerossóis vulcânicos que atingirá a estratosfera, o que, supondo uma atividade vulcânica aproximadamente constante, levaria a mais aquecimento. Embora reconheçam que dificilmente se trataria de um processo dominante, sendo quase certamente bem menos relevante do que feedbacks como os do vapor d'água, gelo-albedo e outros, o fato é que é mais uma contribuição que se soma para amplificar as perturbações antrópicas no sistema climático terrestre. Quando se olha para o lado, pelo visto são essas retroalimentações positivas que predominam e fazem com que qualquer décimo de grau a mais no aquecimento global pode estar nos aproximando de uma situação em que o sistema saia definitiva e irreversivelmente de controle.

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