terça-feira, 27 de outubro de 2015

Furacão Patrícia: amostra das tempestades de um planeta cada vez mais superaquecido

"Cogumelo" atômico sobre
Hiroshima

Hoje temos 43% mais CO2 do que na era pré-industrial (os famigerados 400 ppm) e mais do dobro do metano. Isto já aqueceu o planeta em praticamente 1°C. A cada segundo, em função do excesso desses e outros gases de efeito estufa na atmosfera, produzidos pelas atividades humanas (queima de combustíveis fósseis para energia e transporte, desmatamento, agropecuária), o sistema climático terrestre acumula o equivalente à energia de 4 bombas de Hiroshima. É uma quantidade formidável.

Nada menos do que 93% desse calor extra é armazenado nos oceanos. Ele é, então, passado à atmosfera de várias maneiras: em enorme quantidade, mas de forma relativamente lenta, como quando da ocorrência de El Niños muito intensos como os de 1997/1998 e, agora, o de 2015/2016; ou de forma explosiva, através de ciclones tropicais: os furacões e tufões. Esta última parece ser uma forma particularmente eficiente para oceanos superaquecidos se livrarem de suas "bombas de Hiroshima", afinal, a cada segundo, um grande furacão libera energia equivalente a 10 delas.

2015: Recorde de temperaturas, recorde de tempestades
Poucos dias antes de Patrícia ganhar as manchetes da mídia
mundial como o furacão mais intenso da história, Koppu (à
esquerda, atingindo as Filipinas) e Champi (à direita) já
haviam tornado 2015 o ano de maior ocorrência de
supertempestades de toda a história.

Neste ano de 2015, não por coincidência o ano mais quente de todo o registro histórico, quebrou-se o recorde de ocorrência de supertempestades, isto é, furacões e tufões de categoria 4 ou 5. O recorde foi quebrado no fim de semana de 17 e 18/10, quando Koppu se tornou um supertufão e atingiu as Filipinas e Champi passou à categoria 4. Koppu afetou nada menos do que 2,7 milhões de pessoas, deixou pelo menos 47 mortes (ainda há 4 pessoas desaparecidas), derrubou ou danificou quase 20 mil residências e deixou prejuízos acima de 200 milhões de dólares (quase 10 bilhões de pesos filipinos), principalmente na agricultura. Champi, até pela trajetória, não produziu impactos importantes em nenhuma área habitada.

Oceanos superaquecidos: berçário de supertempestades

Comparação entre os eventos de El
Niño de 1997 e 2015.
Mesmo sem Patrícia, apenas com Koppu e Champi, já se havia chegado a 20 supertempestades em 2015, contra o recorde anterior de 2004 (18). O porquê disso? A relação é fisicamente muito clara: mais energia se acumula na forma de calor nos oceanos, sendo transferida para a atmosfera e liberada na forma de supertempestades, ao ponto de não podermos mais chamá-los de "desastres naturais". A cada décimo de grau, a evaporação aumenta e mais vapor d'água se torna disponível como matéria-prima para formar as nuvens que circundam o olho de um ciclone tropical. E quanto mais quente o planeta se tornar, maior será a probabilidade de que essas tempestades venham cada vez mais gigantescas e destrutivas.

Por exemplo, as temperaturas do Mar das Filipinas a oeste da Bacia do Pacífico, por onde Koppu passou, estavam a impressionantes 31°C. Mas as águas do Pacífico, do outro lado, também estão particularmente quentes em 2015, com a ocorrência de um El Niño que, pelo menos nas últimas 6 décadas, só encontra paralelo no evento de 1997/1998. Os dois eventos têm, por sinal, como se verifica na figura ao lado, intensidades semelhantes no mesmo período do ano (sendo o de 1997/1998 um pouco mais forte). Mas é visível que o evento deste ano (gráfico de baixo) é acompanhado por um aquecimento extraordinário das águas do Pacífico subtropical, próximo à costa... do México, que nutriram Patrícia.

Patrícia, visto do espaço: Felizmente,
os ventos de mais de 320 km/h medidos
sobre o oceano perderam força antes da
tempestade chegar ao México
De uma tempestade tropical (63 a 117 km/h), Patricia tornou-se um superfuracão de categoria 5 (ventos de mais de 249 km/h) em menos de 24 horas, avançando rumo à costa do México no Pacífico leste. Segundo Clare Nullis, da Organização Meteorológica Mundial, a tempestade cresceu a uma "velocidade incrível" e "tornou-se o mais intenso furacão a atingir o Pacífico norte". "É muito, muito intenso, comparável ao Tufão Haiyan que atingiu as Filipinas com efeitos devastadores há dois anos".

Nos furacões, o calor gera movimento ascendente, que gera baixa pressão, que gera ventos, que extraem mais calor da água (num loop). Quanto mais quentes as águas ficarem, mais combustível haverá para produzir monstros como Katrina, Haiyan e Patrícia. Básico. E assim como são inéditas as temperaturas ora observadas nos oceanos tropicais, pelo menos na escala do registro instrumental, mas possivelmente na escala de séculos ou mesmo milênios, também são inéditos Haiyan (há 2 anos, com seus ventos de 315 km/h) e Patricia (com seus incríveis ventos de 325 km/h). Num mundo 1°C mais quente, a escala de Saffir-Simpson para classificar tufões e furacões já se mostrou desatualizada e esses dois monstros poderiam ter sido classificados como categoria 6 se essa escala não parasse em 5 (aqui confesso: achei que levaria algum tempo até que aparecesse alguma tempestade que pudesse rivalizar com o Haiyan e seu poder destrutivo... estava errado, para vocês verem que até eu posso subestimar a dramaticidade das mudanças climáticas e sua velocidade).

Patrícia, felizmente, produziu bem menos danos do que poderia

Algumas casas foram inteiramente destruídas em Chamela, no
México, mas em geral os danos ficaram muito aquém daquilo
que poderia ter sido provocado por um fenômeno como Patrícia.
Fonte da foto: http://www.propertycasualty360.com/
Felizmente, os efeitos da passagem do Patrícia foram muito menores do que poderiam ter sido. Ao chegar à costa, os ventos já estavam perdendo força, embora, com 270 km/h, ainda permanecesse como categoria 5. Felizmente, esses ventos atingiram uma região pouco povoada (Manzanillo, cidade mais próxima, com 100 mil habitantes, ficava a 80 km) e  Entrando em território mexicano, sem a água quente que o alimentava, teve a dissipação de energia ainda facilitada pelo relevo. Com Patricia rapidamente perdendo força para categoria 2 e depois para tempestade tropical (sem estrutura de furacão) e tendo as medidas de evacuação e abrigo pelo visto funcionado, ficou-se longe do estrago esperado.

Enchente em Dallas associada aos restos do Patrícia terminaram
causando prejuízos maiores no Texas do que o furacão em si, no
México.  Fonte da foto: http://www.propertycasualty360.com/
Ao final, a sensação terminou sendo de alívio, especialmente porque, pelo menos até o presente momento, não houve mortes de pessoas humanas. Ainda assim, os danos materiais não foram nada desprezíveis, sendo importante ressaltar que os vestígios de Patrícia causaram mais prejuízos em função das enchentes no Texas (especialmente por terem atingido áreas densamente povoadas como a cidade de Dallas): até 3 bilhões de dólares.

Mas o que não se pode aceitar é que, pelo fato de o México não ter se tornado novas Filipinas (atingidas há dois anos por um Haiyan no auge de sua potência), não se faça a reflexão necessária. Patrícia e Haiyan são a novidade terrível de um mundo 1°C mais quente, um mísero grau! E hoje a luta é a de tentar parar essa loucura em 2°C!

Filhos da indústria fóssil, Haiyan e Patricia se multiplicarão num mundo mais quente

Sem freio às emissões, este planeta pode ficar 6°C mais quente em 2100, e mesmo um aquecimento de 3-4°C, que resultaria provavelmente da aplicação das medidas tímidas que estão sendo propostas nos preparativos para a COP21 em Paris, é medonho, inaceitável. Pense nos furacões e tufões da sua velhice. Pense nas secas dos seus filhos. Pense nas ondas de calor dos seus netos. Chega de proteger "a economia" (leia-se lucros e privilégios). Chega de meias medidas quando está claro que Haiyan e Patricia não são "desastres naturais"! Eles são crias da indústria fóssil e demais emissoras, filhos do petróleo e carvão, do desmatamento e até da carne de boi! Ora, esses setores econômicos que mais emitem não são "produtivos". São destrutivos. E precisam pagar pela transição urgente e necessária para outro modo de viver, que é a única forma de evitar que Haiyans e Patricias cresçam e se reproduzam.

Diante da violência de um Patrícia ou de um Haiyan, tempestades com "anabolizante", convenço-me ainda mais: ao demandarmos o fim da indústria fóssil, não somos nós que "queremos o impossível". Não se escolhe obedecer ou não às Leis da Física. Daí, quem quer o impossível são eles, os CEOs dessa indústria imunda e os governantes que lhe são subservientes. Afinal, impossível mesmo é continuar queimando esses combustíveis sem que arruinemos profunda e irreversivelmente o sistema climático terrestre e sem que comprometamos as próprias condições para a vida humana neste planeta. Não, não queremos o impossível. Queremos apenas o necessário para evitar essa tragédia. 

Um comentário:

Copo "meio cheio" não salva uma casa em chamas

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