quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Entrevista concedida ao Jornal "O Estado"

Caso as emissões de GEE continuem crescendo às atuais taxas ao longo dos próximos anos, a temperatura do planeta poderá aumentar até 4,8 graus Celsius neste século. O alerta foi feito pelos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU), que divulgaram no dia 27 de setembro, em Estocolmo, na Suécia, a primeira parte de seu quinto relatório de avaliação (AR5). Com base na revisão de milhares de pesquisas realizadas nos últimos cinco anos, o documento apresenta as bases científicas da mudança climática global.
E para falar sobre este assunto, o Estado Verde conversou com o físico cearense, Alexandre Costa, integrante do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). Segundo o professor, a marca do aquecimento global e das mudanças climáticas, especialmente, na região Nordeste, é absolutamente clara. No entanto, por aqui, ainda chegamos ao absurdo de manter no Complexo do Pecém, uma termelétrica a carvão, a fonte mais suja de energia que existe, consumindo 800 litros de água doce por segundo (suficiente para abastecer uma cidade de meio milhão de pessoas), com 50% de abatimento no preço, enquanto o Sertão sofre com a seca severa.
[O Estado Verde] Está definitivamente comprovado que o aquecimento global é resultado das ações humanas, e que estas aceleram e provocam mudanças catastróficas nos diversos ecossistemas ao redor do globo? [Alexandre Costa] Certamente. Todas as evidências apontam no sentido de que o acúmulo dos Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera terrestre, resultante, principalmente, da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento é a causa fundamental para o aquecimento já observado no sistema terrestre. É também bastante claro, hoje, que o ritmo dessas mudanças precisa ser freado, contendo as emissões para evitar mudanças catastróficas e irreversíveis. Além da mudança no clima, outro aspecto fundamental e que envolve forte risco é a acidificação dos oceanos. Tratam-se de questões com potencial impacto severo ao longo das próximas décadas, podendo comprometer seriamente a qualidade de vida das futuras gerações, caso elas continuem a ser ignoradas.


[OeV] E possível perceber sinais significativos na nossa região que indiquem o impacto do aquecimento global? Por exemplo, diferenças significativas nos movimentos das marés, regimes de chuvas, alterações de temperaturas. [AC] Em nossa região, aos efeitos globais se sobrepõem vários efeitos locais. O avanço dos oceanos depende também das intervenções realizadas na costa e nas cidades há alterações climáticas de cunho local, constituindo o efeito chamado “ilha de calor”.  Mas em certos aspectos, a marca do aquecimento global é absolutamente clara. De acordo com as observações de temperatura da superfície, o Nordeste Brasileiro tem vastas áreas em que, ao longo deste século, a temperatura se elevou mais de 1,5 graus e isso não se deve a fatores “locais” ou “urbanos”. É algo que resulta de efeitos de maior escala.
[OeV] O novo relatório do IPCC,  Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima,  da Organização das Nações Unidas  (ONU), e o primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) servem de alerta para a questão da desertificação no Ceará? [AC] Sim. Ambos os relatórios indicam uma tendência inequívoca de aumento da temperatura na região. No que diz respeito às chuvas, existem chances de as mesmas ou se manterem essencialmente inalteradas, ou decrescerem junto a esse aquecimento, mas com incertezas nas projeções. Do ponto de vista global, porém, sabemos que um clima mais quente implica em uma maior frequência de ocorrências de eventos severos como ondas de calor, o que pode acentuar o impacto de secas e veranicos mesmo que, em média, o total de chuvas não se altere. Face o processo avançado de degradação ambiental sobre o bioma Caatinga, é evidente que tais condições agravam o risco de aridização e desertificação.
[OeV] Apesar do estado crítico (desmatamento e a falta de água) da Caatinga ainda podemos ter esperanças de não sofrermos tanto com os impactos do aquecimento global? E sobre a capacidade das populações vulneráveis adaptarem-se e reestruturarem-se para dar continuidade as suas atividades econômicas dentro de um ambiente hostil, como previsto, em decorrência do fenômeno da alteração climática? [AC] Isso depende de dois conjuntos de medidas, que descrevo a seguir: Em primeiro lugar, no plano mundial, o conjunto dos impactos das mudanças climáticas pode ser bem menor (ainda que alguns efeitos já sejam inevitáveis), caso haja uma política global de redução drástica das emissões de GEE, principalmente de CO2. Neste aspecto, pela primeira vez um relatório do IPCC sugere explicitamente que se imponham res-trições ao total de combustíveis fósseis que podem ser utilizados, ao estimar que as chances de impedirmos um aquecimento de mais de 2 graus ficam menores do que 66% caso queimemos mais do que 259 bilhões de toneladas de carbono. Ora, somente as reservas certificadas de petróleo, carvão e gás contém cerca de 900 bilhões de toneladas de carbono, sendo que mais de 400 bilhões estão nas mãos de 200 companhias privadas. Estima-se, ainda, que o total de combustível fóssil no mundo possa exceder sete trilhões de toneladas. Daí, a mensagem precisa ser clara: a maior parte desses combustíveis precisa permanecer no solo, sem ser tocada. E isto impõe duas coisas: a retirada do controle do capital privado sobre essas reservas com o fim de qualquer leilão dessas fontes mediante acordo global, bem como a substituição em escala mundial de nossas fontes de energia por energias renováveis, com ênfase na energia eólica e principalmente na energia solar, que pode ser produzida em escala residencial. Em segundo lugar, mesmo que consigamos conter as emissões e limitar o aquecimento global a menos de 2ºC, há que se tomar medidas de adaptação, para minimizar os efeitos das mudanças que já forem inevitáveis. Isto implica, no campo, em preservação de matas e rios, introdução de técnicas de manejo e conservação associadas às atividades agrícolas com ênfase naquelas que produzam baixo impacto, como agricultura familiar, agricultura orgânica e atividades agroecológicas. Também implica, nas cidades, em reformulação do sistema de transporte, com ênfase no transporte público não poluente e na redução da frota automobilística particular, bem como num melhor preparo para eventos meteorológicos severos como chuvas intensas, alagamentos, inundações, etc.
[OeV] O senhor tem conhecimento de estudos, por parte do Governo estadual, que tratam dos impactos econômicos que os eventos extremos causam aos municípios cearenses inseridos na Caatinga? [AC] Desde vários anos atrás estudos vêm sendo feitos nesse sentido, incluindo possíveis mudanças climáticas futuras, como o caso do Projeto “Waves”. No entanto, o que se percebe é que os estudos, tanto das bases físicas dessas mudanças quanto de seus potenciais impactos socioeconômicos, não têm resultado num corpo coerente de políticas públicas de mitigação e adaptação. Por exemplo, a política de utilização da água em nosso Estado continua voltada para grandes obras a serviço do agronegócio e da indústria, com a assinatura de contratos que preveem vazões muito além do que a necessária cautela deveria implicar. Por exemplo, chega-se ao absurdo de se manter uma termelétrica a carvão, a fonte mais suja de energia que existe, no Complexo do Pecém, consumindo 800 litros de água doce por segundo (suficiente para abastecer uma cidade de meio milhão de pessoas). Essa água doce, em estado bruto, é fornecida pela Companhia de Gerenciamento de Recursos Hídricos, a COGERH, com 50% de abatimento no preço. Após dois anos de seca severa e tendo os reservatórios perdido bastante água, fica patente que esse tipo de política não pode ter continuidade.
[OeV] O Brasil é considerado um dos maiores emissores de Gases de Efeito Estufa (GEE). Parcela considerável das nossas emissões líquidas estimadas de CO2 é proveniente de mudança no uso do solo (desflorestamento para uso agropecuário). Esta informação é possível porque consta do Segundo Inventário de Emissões de GEE, do País publicado em 2010. E aqui no Ceará, já temos o nosso inventário? [AC] Nosso País avançou na sua capacidade de estimar as emissões, particularmente de CO2. De fato, nossas emissões caíram, graças à redução do desmatamento, que foi possível em função da política de crédito agrícola que impôs restrições aos desmatadores. Por outro lado, o cenário futuro não é dos mais animadores, por dois motivos: primeiro, pelo desmonte do Código Florestal, que pode levar a uma retomada das emissões por desmatamento; segundo, e principalmente, porque as fontes das emissões brasileiras estão mudando, com a participação de emissões de transporte (automóveis, caminhões, etc.) e do setor energético (com as termelétricas) aumentando a olhos vistos. Lamento também que a maior parte dos estados e municípios, infelizmente, não desdobrou ainda a Política Nacional sobre Mudança no Clima. O Ceará, por exemplo, precisa urgentemente integrar uma Política Estadual de Mudanças Climáticas com o planejamento de recursos hídricos, de manejo de resíduos sólidos e de infraestrutura energética, assim como Fortaleza precisa articular uma política municipal de clima às várias políticas públicas, incluindo a de transporte e mobilidade pública e de preservação de áreas verdes.
[OeV] Falta vontade política ou conhecimento sobre os impactos e combate às mudanças climáticas e na adaptação de seus efeitos no Ceará? [AC] Eu diria que tanto a população em geral quanto os formuladores de política e tomadores de decisão não têm atentado para a gravidade do problema. Se permanecermos presos ao imediatismo e/ou a falsas prioridades, pagaremos, nós mesmos e as gerações futuras, o preço dessa incompreensão e da inação.
[OeV] Qual a principal atribuição do Fórum Cearense de Mudanças Climáticas e qual a participação do mesmo na construção de uma via de convívio com os efeitos das mudanças do clima, no Estado? [AC] No Ceará, o Fórum se vincula ao Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente (Conpam). Como o próprio nome diz, ele se propõe a ser um fórum de discussão de políticas públicas em torno da questão climática. É necessário, portanto, que ele se torne mais ativo nesse sentido, especialmente face a divulgação do 1º Relatório do PBMC e do 5º Relatório do IPCC.
Por Tarcilia Rego

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