A Ciência do clima é muito clara: o sistema climático está realmente
aquecendo, este aquecimento é causado pela acumulação de gases de vida estufa
de vida longa, especialmente dióxido de carbono (seguido de metano, óxido
nitroso e halocarbonetos) e a origem desse desequilíbrio químico atmosférico
está nas atividades humanas, especialmente no uso de combustíveis fósseis
(carvão, petróleo e gás natural), como estabelecido nos relatórios de avaliação
do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (Intergovernmental Panel on Climate Change, IPCC), especialmente o
AR4 [1].
Os impactos da
mudança global imposta pelas emissões antrópicas de gases de efeito estufa são
universais. Acompanhando a consequência mais óbvia, que é o aquecimento,
pode-se citar uma enorme lista deles, incluindo o aumento na ocorrência de
ondas de calor mais fortes, secas mais intensas e tempestades severas, assim
como incêndios florestais mais frequentes, perigosos e devastadores,
derretimento de gelo polar, que se tornará o causador mais importante de
elevação do nível dos oceanos, o branqueamento de corais e uma grande
mortalidade de organismos que dependem da fixação do carbonato de cálcio para
sobreviverem, etc. Mudanças no regime de precipitação certamente colocarão a
agricultura e o abastecimento urbano de água em perigo em muitas localidades.
As consequências para países insulares, cidades costeiras, povos tradicionais
(indígenas, pescadores, etc), pequenos agricultores e as pessoas e países mais
pobre são óbvias.
Sensibilidade
Climática: Porque temos de impor limites ao uso do combustível fóssil
Um
número chave ao discutirmos a mudança climática é a chamada “sensibilidade climática”, que
corresponde ao grau de aquecimento associado a uma duplicação da concentração
de CO2 atmosférico. Como se sabe, o aquecimento é produzido tanto a
partir de efeitos rápidos (como o aumento do vapor d’água atmosférico, que
também é um gás de efeito estufa e portanto amplifica os efeitos do CO2)
quanto de retroalimentações de longo prazo (como mudanças no nível do mar e no
gelo, que requerem uma escala de tempo bem mais longa para atingirem um estado
de equilíbrio). Daí, estimativas individuais da sensibilidade climática podem
não ser tão precisas e é necessário fazer uso de uma combinação de estimativas das observações
do aquecimento recente (que têm a óbvia inconveniência de não se estar lidando
com um sistema nos quais as retroalimentações lentas não se desenvolveram nem
de perto ao ponto de sua força máxima), dos testemunhos paleoclimáticos (que são indicativos indiretos de
variáveis climáticas como a temperatura e têm incertezas significativas) e
experimentos de modelagem climática.
O IPCC trabalha com o intervalo de 2 a 4,5°C de aquecimento por duplicação de
CO2, com 3°C como a melhor estimativa [3].
Usando
esta estimativa de 3°C pode-se imediatamente fazer alguns cálculos simples,
apenas usando logaritmos, para se ter uma ideia do efeito do aumento da
concentração de CO2 para diferentes níveis. Como os valores
pré-industriais eram da ordem de 275 partes por milhão (ppm) [4], a conclusão
mais simples é que a temperatura média global tende a crescer em
aproximadamente 3°C se atingirmos 550 ppm. Também indicam que a concentração
atual de 394 ppm [5] está associada a um aquecimento global de aproximadamente
1,6°C. Como estamos 0,8°C acima do período pré-industrial [6], a conclusão é a
de que há outros 0,8°C já “encomendados”, isto é, que mesmo que a concentração
de CO2 venha a se estabilizar nos níveis atuais, a temperatura
continuaria a crescer (e o gelo continuaria a derreter, e os oceanos a se
elevarem) rumo a um valor 1,6°C acima da média pré-industrial.
Por
outro lado, o mesmo conceito de sensibilidade climática pode ser usado para se
determinar em qual concentração de CO2 devemos mirar para evitar um
certo grau de aquecimento. É bem conhecido que, para se ter uma chance de 50%
de evitar um aquecimento maior que 1°C, o que – acredita-se – não causaria
maiores rupturas nos ecossistemas terrestres, evitaria uma elevação dos oceanos
que ameaçaria os pequenos países insulares e minimizaria a perda de
biodiversidade, o limite é de 350 ppm [7], que foi ultrapassado em 1988, o ano
no qual o IPCC foi criado. Indo além, se se deseja evitar uma probabilidade de
mais de 50% de aquecer a Terra por mais de 2°C comparado ao período
pré-industrial, 450 ppm é o limite máximo.
Tal
limite, porém, é insuficiente e só pode ser defendido como uma concentração de
pico, e não como um valor de estabilização. Primeiro, porque impactos
significativos já se fazem presentes com mero 1°C acima do período
pré-industrial (como impactos na água potável em países insulares). Segundo,
porque um estudo recente sugere que, na verdade, alguns mecanismos de
retroalimentação positiva podem ser disparados já a 1,5°C, o que pode ser
suficiente para tornar o aquecimento global autossustentado [8]. No entanto, a
realidade é que o crescimento das emissões de gases de efeito estufa está
fazendo este objetivo obviamente insuficiente (em termos de prevenir impactos
climáticos sérios) mais e mais distante a cada ano [9].
A
conclusão é a de que existe uma ligação forte entre a quantidade de CO2
que é liberada na atmosfera e a dimensão do risco climático que está sendo
imposto. Quanto maiores as emissões, mais abrangente e mais profundo se torna o
risco climático. Evidências paleoclimáticas indicam que durante a era
Cenozóica, o Polo Norte não possuía calota polar permanente com níveis de CO2
acima de 400 ppm e que a formação da calota polar da Antártica esteve associada
com a queda dessa concentração para valores abaixo de 500 ppm [10].
A fim de se evitar o
já perigoso nível de 450 ppm, algumas estimativas sugerem que a máxima
quantidade de carbono que pode ser liberada na atmosfera terrestre é de 565
bilhões de toneladas métricas, ou 565 Gton, enquanto outras são ainda mais
restritivas [11]. A quantidade de carbono armazenado nas reservas fósseis
convencionais é incerta, mas é da ordem de 2,8 trilhões de toneladas métricas,
2,8 Tton ou 2800 Gton, o que é no mínimo 5 vezes mais do que supostamente seria
permitido queimar [12]. Incertezas ainda maiores existem acerca do total de
carbono armazenado nas chamadas reservas não-convencionais (o que inclui areia
betuminosa, gás de xisto e petróleo do pré-sal), mas algumas estimativas dão
conta de um número tão grande quanto 12 Tton [13].
O Poderio das
Companhias de Petróleo e como elas se conectam ao Sistema Financeiro
Juntamente com os bancos, a indústria de combustíveis fósseis
constitui hoje em dia o núcleo central do capitalismo global. A maior companhia
do mundo em vendas é a Shell e a maior em lucro, a Exxon-Mobil. Outras
poderosas companhias de óleo, gás e carvão segundo esses critérios são BP, Chevron-Texaco,
Sinopec, China Petroleum, Gazprom, BHP e Total. As companhias automobilísticas,
que estão diretamente vinculadas ao setor petroquímico, juntam-se à lista das
maiores corporações mundiais, com destaque para Toyota e Volkswagen [14].
O faturamento anual da Shell equivale ao PIB da Noruega. A soma dos
faturamentos anuais da Shell, Exxon e BP é maior que U$ 1,3 trilhões, o que é
da ordem do PIB do estado espanhol. Se acrescentarmos Chevron, Sinopec, China
Petroleum, Conoco-Phillips e Total (todas estas companhias de petróleo), já se
está acima de U$ 2,7 trilhões (além do PIB da França, que é o 5º maior do
mundo). Entre a chinesa State Grid, a Gazprom, a Toyota, a Volkswagen e a
General Motors (estas últimas, as três maiores companhias automobilísticas) há
outro trilhão de dólares em faturamento e, ao final, nas mãos de não mais do
que 13 companhias, o PIB da Alemanha (o 4º maior) é deixado para trás [15].
Estudo revela a presença dos bancos nos conselhos deliberativos das principais companhias petroquímicas. É apenas um monstro, com um punhado de cabeças... |
Um estudo pelo TNI [16], o Instituto Transnacional, mostra que os
vínculos entre as companhias petroquímicas e os bancos são bastante
intrincados. É facilmente percebido que os conselhos executivos das companhias
de petróleo têm representação dos bancos e que ambos os setores têm fortes
vínculos com políticos e a mídia. Isso estabelece uma rede de poder que só pode
ser caracterizado como o verdadeiro governo mundial, uma plutocracia, que
exerce imensa pressão sobre as Conferências das Partes e tem sido bem sucedida
em seu intento de barrar qualquer iniciativa séria no sentido de controlar as
emissões de gases de efeito estufa. A histeria dos negadores das mudanças
climáticas e outros radicais anti-ambientalistas que ladram contra um suposto
“governo global” (a fantasia de uma conspiração entre a ONU, cientistas do
clima, ONGs e companhias que produzem aerogeradores ou painéis solares) se
torna mais e mais ridícula quando fica claro que o que é necessário é uma
gigantesca luta para desbancar o governo global realmente existente, controlado
pelos bancos e a indústria fóssil.
É claro este pequeníssimo porém incrivelmente poderoso grupo de
companhias é quem está forçando as atuais tentativas (ou iniciativas) de
exploração das últimas fronteiras do petróleo, carvão e gás, incluindo as
reservas fósseis não convencionais, perfurando o Ártico e o pré-sal brasileiro,
explorando as areias betuminosas de Alberta e obtendo gás via fratura, dentre
outras.
As operações nestes casos são usualmente bastante arriscadas. A
pressão sob águas profundas são extremas, tornando vazamentos massivos de óleo,
como o de responsabilidade da BP no Golfo do México [17] uma ameaça constante.
As areias betuminosas são abrasivas e vazamentos em oleodutos como o de
Keystone XL [18] têm uma maior probabilidade de ocorrência, podendo causar
contaminação de solo e água. Outras reservas estão sob florestas, como no
Equador e sua exploração também pode trazer, além do impacto climático global,
sérias consequências ao ambiente local.
'Keep the Oil in the Soil & the Coal in the Hole' - Angie Vanessa |
É a essas corporações, destrutivas em sua essência, que interessa a extração dos combustíveis fósseis até a última pedra de carvão e gota de óleo, nem que para isso seja necessário perfurar arriscadamente o oceano profundo, remover o topo das montanhas, destroçar florestas tropicais e Ártico. À grande maioria de nós, seres humanos, não. Os eventuais ganhos imediatistas, de curto prazo, serão de longe suplantados pelos prejuízos de médio e longo prazo e já estão sendo, em muitos casos, superados já, com as mudanças no clima já observadas, incluindo extremos. Sim! Aos de baixo, a mudança climática não interessa! À esmagadora maioria da humanidade, petróleo, carvão, são coisas que devem ficar no chão!
Notas:
[1] Como em http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg1/en/spmsspm-direct-
observations.html
[2] http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg1/en/ch9s9-7.html
[3] http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg1/en/ch10s10-5.html#box-10-2
[4] Etheridge, D.M., L.P. Steele, R.L. Langenfelds, R.J. Francey, J.-M.
Barnola, and V.I. Morgan. 1996. Natural and anthropogenic changes in
atmospheric CO2 over the last 1000 years from air in Antarctic ice and firn.
Journal of Geophysical Research 101:4115-4128.
[5] Ver http://co2now.org/Current-CO2/CO2-Now/annual-co2.html
[6] This is accepted by the World Bank is its report: http://climatechange.worldbank.org/sites/default/files/Turn_Down_the_Heat_Executive_Summ
ary_English.pdf
[7] Como em Hansen et al. (2008), disponível em http://arxiv.org/abs/0804.1126
[8] Estudo baseado em espeleotemas e recentemente publicado na revista
Science (http://www.sciencemag.org/content/early/2013/02/20/science.1228729).
As implicações são discutidas em linguagem mais acessível ao público leigo em http://www.sciencedaily.com/releases/2013/02/130221143910.htm
[9] As emissões continuam a crescer (vide por exemplo, http://co2now.org/Current-CO2/CO2-
Now/global-carbon-emissions.html)
[10] De acordo com http://www.columbia.edu/~jeh1/mailings/2011/20110415_EnergyImbalancePaper.pdf
e http://www.sciencemag.org/content/334/6060/1261
[11] http://www.rollingstone.com/politics/news/global-warmings-terrifying-new-math-
20120719?page=2 defende o limite superior de 565 Gton e http://www.nature.com/nature/journal/v458/n7242/full/nature08019.html
sugere que não devemos exceder a “trilionésima tonelada” de carbono
[12] http://www.rollingstone.com/politics/news/global-warmings-terrifying-new-math-
20120719?page=2
[13] http://arxiv.org/pdf/1110.1365.pdf
[14] Dados de http://money.cnn.com/magazines/fortune/global500/2012/full_list/
[15] Comparando as informações das companhias com o PIB, mostrado em http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_GDP_(nominal)
[16] Disponível em http://www.tni.org/article/dirty-money-finance-and-fossil-fuel-web
[17] http://en.wikipedia.org/wiki/Deepwater_Horizon_oil_spill
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